segunda-feira, 19 de outubro de 2015

Independência ou morte no Piauí

Em 19 de outubro de 1822, um grupo liderado por membros da maçonaria declaravam a público na assembléia legislativa local que a cidade de Parnaíba, no Piauí, se tornava independente de Portugal.

A forma como a Independência do Brasil é normalmente ensinada nas escolas dá a entender que foi um processo suave, costurado entre as elites, em que o príncipe Pedro de Alcântara e seus parentes em Portugal estavam de comum acordo. As coisas não foram tão simples, e nem tão pacíficas. O grito de "Independência ou morte!" se fez ouvir ao longe, e levado mais a sério em algumas regiões específicas.

Com forte adesão no Sudeste, Pedro teve pouco com que se preocupar com relação a um contra-ataque português à capital do Rio de Janeiro, ou outras com grande presença militar leal à sua casa. Mas não foi a dificuldade logística de uma guerra ultramarina que fez com que João VI, rei de Portugal, abrisse mão da totalidade do seu território. As províncias nordestinas tinham uma relação mais intensa com Lisboa do que com o Rio, devido à facilidade de navegação entre Portugal e os portos de Salvador ou Recife - do Rio a Salvador os navios precisavam frequentemente enfrentar ventos desfavoráveis que atrasavam demais a viagem, e a jornada por terra era quase impraticável. Além disso, a carência de uma marinha de guerra no Brasil deixava os pontos mais distantes da sua costa vulneráveis. De maneira que a influência da coroa portuguesa e seus mandatários no Nordeste, especialmente no Piauí e no Maranhão, garantiram, provisoriamente, um certo controle sobre aquela parte da colônia. A resistência portuguesa na Bahia e no Pará só foram debeladas com o auxílio de mercenários ingleses, franceses, chilenos, argentinos e outros, ao custo de cerca de 6 mil vidas.

Em 7 de setembro, em São Paulo, Pedro declarou independência. No Piauí, o governo da província continuava nas mãos dos portugueses. A coroa, antevendo a movimentação de Pedro em direção à independência política desde o "Dia do Fico" (9 de janeiro), havia nomeado em agosto para o comando militar ("Governador das Armas", acumulando também as funções do Executivo) da capital piauiense de Oeiras, no centro da província, major João José da Cunha Fidié, veterano da resistência portuguesa contra Napoleão. Portugal também enviara grande quantidade de armamento para as tropas locais anos antes. A notícia da declaração de independência no Rio de Janeiro chegou dias depois. Na cidade de Parnaíba, no litoral, membros da loja maçônica local - o magistrado João Cândido de Deus e Silva, o coronel e magnata (para os padrões da colônia) Simplício Dias da Silva, e o poeta Leonardo Castelo Branco (um cientista amador que tinha ideia fixa em construir o moto contínuo) - se reuniram junto à Câmara local lotada para declarar a independência de Parnaíba no dia 19, esperando que o movimento se espalhasse para Oeiras e as demais cidades, assim como para o Maranhão, outro bastião português. Curiosamente, a sua declaração exaltava igualmente João VI e Pedro, e não necessariamente reconhecendo a legitimidade de Pedro como imperador do Brasil (mas como seu "Defensor Perpétuo"). No contexto do século XIX, a maçonaria e outras sociedades secretas eram veículos extremamente capazes de disseminar ideias revolucionárias e mobilizar pessoal e recursos para viabilizá-las. Segundo a analogia de Laurentino Gomes, ela cumpria o papel que viria a assumir a Internacional Socialista na difusão do socialismo, agindo com vigor total numa América que estava disposta a romper os laços com a Europa e a experimentar novos modelos políticos.

Sabendo da agitação em Parnaíba, Fidié mobilizou suas tropas em Oeiras e marchou para o litoral. Ele parou em Campo Maior, a meio caminho, onde ouvira rumores de rebelião, mas fora recebido com entusiasmo, principalmente por portugueses residentes. O idealismo dos maçons parnaibenses não resistiu à superioridade das tropas portuguesas, maiores e mais bem armadas; os insurretos fugiram para o Ceará antes da chegada de Fidié, em dezembro. O major português permaneceu em Parnaíba por algumas semanas (dizem que aproveitando o clima mais aprazível do litoral).

Enquanto isso, em Oeiras, os rumores sobre a independência do Piauí atiçavam o interesse dos seus partidários. O brigadeiro Manoel de Sousa Martins, ao perceber que a declaração em Parnaíba não surtira qualquer resultado prático, decidiu se aproveitar da ausência do major Fidié para ocupar o palácio do governo em janeiro de 1823. Fidié soube da conspiração um mês depois, e começou a marchar de volta a Oeiras com 1100 soldados, 11 peças de artilharia, e alguns reforços vindos do Maranhão. De Oeiras, os rebeldes se deslocaram para Campo Maior, mais ao norte, onde se declarara a independência de Portugal no começo de fevereiro, e havia indícios de uma fábrica de pólvora de propriedade de um cidadão de Oeiras partidário da independência. Ali, os independendistas, reforçados por 500 cearenses, convocaram mais de mil camponeses, armados com velhas armas de caça, facões e foices. Leonardo Castelo Branco retornou, vindo de Piracuruca com grande parte dos homens da cidade, onde declarara a independência em janeiro. Os rebeldes tinham a certeza de que era preciso deter os portugueses antes de chegarem a Oeiras, onde independendistas assumiam o controle. No dia 13 de março, os sertanejos marcharam para o norte, para as proximidades do Rio Jenipapo.

Fidié marchou para o sul e enfrentou uma escaramuça perto da Lagoa do Jacaré. Em seguida passou por Piracuruca. A cidade havia acabado de ser evacuada por Castelo Branco na noite anterior. No dia 13 pela manhã ele chegou ao Rio Jenipapo. A estrada se bifurcava, então direcionou a cavalaria por um caminho e ele e a artilharia pelo outro. Aconteceu da cavalaria encontrar os rebeldes primeiro. O encontro foi encarniçado, e os rebeldes, em maior número, resistiram à carga. Os piauienses que estavam entrincheirados mais atrás saíram ao ouvir os tiros. Eles ficaram perdidos procurando o inimigo e abandonaram sua posição. Enquanto isso, Fidié manobrava e alcançava as trincheiras, colocando ali atiradores, montando barricadas e posicionando os canhões. Os sertanejos estavam perdidos, mas não se entregaram, tentando atacar a posição de Fidié por todos os lados. Após várias baixas em 5 horas de combates, retiraram-se em desordem pelos campos, deixando prisioneiros para trás. Os portugueses, cansados sob o sol a pino, decidiram não persegui-los.

Apesar da derrota, durante este combate e ao longo dos dias seguintes, os piauienses conseguiram roubar ou destruir os suprimentos e a artilharia da unidade de Fidié. O governador se viu à míngua e incapaz de retomar Oeiras, então decidiu reagrupar na atual cidade de União, indo depois para Caxias, no Maranhão, onde os portugueses também lutavam para manter o controle. Ali, se viu cercado e forçado a se render. Foi preso, levado a Oeiras, entregue por Manuel de Sousa Martins às autoridades, preso no quartel da Ilha de Villegagnon, no Rio de Janeiro, até ser libertado por Pedro I e mandado de volta a Portugal. O Piauí, oficialmente independente, aderiu ao novo Império no dia 13 de maio de 1823. Mas as inquietações dos mais liberais diante do conservadorismo novo imperador ainda levariam o Piauí a se juntar a outras províncias do Nordeste a dar um passo adiante, criando a Confederação do Equador, esmagada por Pedro I em 1824.

Neste dia também: A Batalha de Zama

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