quinta-feira, 19 de outubro de 2017

Batalha de Zama

Em 19 de outubro de 202 a.C. foi travada a Batalha de Zama. Foi o confronto final entre Roma e Cartago na Segunda Guerra Púnica, e o evento que determinou o domínio romano do Mar Mediterrâneo pelos séculos seguintes.

Entre 218 e 201 a.C., a emergente República Romana, que compreendia o centro e o sul da Itália e ilhas adjacentes, foi desafiada pelo império capitaneado pela antiga colônia fenícia de Cartago. Tratava-se da segunda guerra em larga escala entre os dois países pelo controle do comércio no Mediterrâneo. A primeira ocorreu quando Roma interviu nos conflitos entre gregos e cartagineses pelo controle da Sicília, resultando na aquisição desta ilha pela República.

A Segunda Guerra Púnica (assim lembrada pelos romanos, pois chamavam aos cartagineses "Poeni", corruptela do grego "phoenike", ou "púrpura", corante que era a principal mercadoria oferecida pelos fenícios, fundadores de Cartago) foi deflagrada após a invasão e conquista da cidade ibérica de Saguntum (atual Sagunto, na Espanha), com quem os romanos mantinham relações diplomáticas. O comandante da operação era Aníbal Barca, designado comandante supremo da Ibéria cartaginesa e filho de Amílcar Barca, o conquistador cartaginês daquele país. O cerco e a conquista desta cidade era o primeiro passo de um plano meticuloso e ambicioso de Aníbal para assegurar o controle sobre o Mediterrâneo, e o passo seguinte seria a invasão inesperada, por terra, da Itália. De maneira espetacular, Aníbal conduziu um exército africano, com elefantes de guerra, pelos Alpes, e obteve vitórias incríveis sobre Roma em seu próprio solo. No entanto, a campanha da Itália nunca chegou a um momento decisivo, e embora Aníbal resistisse no interior da península por mais de 10 anos, esta operação acabou num impasse.

Roma, que havia adaptado a engenharia fenícia na construção da sua própria armada de guerra, conseguiu efetivamente evitar que os fenícios enviassem reforços por mar à Itália, limitando as ações de Aníbal. Com o general invasor imobilizado, os romanos partiram para o contra-ataque na cabeça de ponte cartaginesa na Europa, a Espanha. Os irmãos Gneu e Públio Cipião comandaram uma campanha que começou em Massalia (antigo porto grego sob controle cartaginês, atual Marselha), e prosseguiu, por terra e mar, através dos Pirineus, até o Rio Ebro, onde venceram uma batalha naval que paralisou o esforço cartaginês na Espanha (e o possível envio de tropas a Aníbal ou aos celtas do norte da Itália), embora seu progresso também tenha ficado por aí. Em 211 a.C., os dois Cipiões reuniram reforços entre os celtiberos nativos e marcharam separadamente e quase simultaneamente contra os cartagineses no norte da Espanha, perto de Bétis, onde ambos foram aniquilados. O filho de Gneu, Públio (o mais famoso Cipião, por isso lembrado apenas pelo sobrenome), foi o único a se candidatar ao comando do exército naquela região.

Em 211 a.C. Cipião começou tomando a cidade de Carthago Nova (atual Cartagena). Com romanos e celtiberos sob seu comando, Cipião organizava suas tropas de maneira dinâmica para responder às inconstantes formações dos cartagineses (os comandantes locais, Asdrúbal Barca, Mago, e Asdrúbal Grisco não conseguiam coordenar esforços, e a resposta ao avanço de Cipião era confusa), e aos desafios do terreno acidentado da Ibéria. Em Illipa (próximo a Sevilha), Cipião se defrontou com Asdrúbal Barca, irmão de Aníbal. Recuando o centro do seu exército e avançando com as alas, Cipião envolveu os cartagineses e obteve a vitória final naquele cenário de guerra. Este resultado rendeu a Cipião o consulado em 205 e o controle de seus aliados pessoais da Sicília.

Cipião não tinha o apoio do senado para prosseguir com a guerra. Seu plano era a invasão da África e a submissão de Cartago. Os senadores resistiram ressaltando o perigo, mas a moção acabou aprovada. Contudo, ele partira para a Sicília somente com um corpo de voluntários, e apenas mais tarde ele seria autorizado a recrutar as legiões estacionadas na ilha - na maioria, sobreviventes exilados pela derrota "humilhante" na Batalha de Canas contra Aníbal dez anos antes. Em 203 desembarcou em Utica, na Tunísia, onde esmagou completamente a resistência cartaginesa sob Asdrúbal Grisco. Na ocasião recebeu reforços da cavalaria numídia sob o príncipe africano Masinissa, a quem Cipião conhecera na Espanha e aspirava, com apoio romano, depor o rei Sifax, aliado dos cartagineses (Masanissa ainda perseguiu a cavalaria comandada por Sifax até a capital numida, Cirta, na Argélia, onde foi capturado).

A perda de Utica e a presença hostil de romanos e numídios no coração do seu império levou os cartagineses a solicitarem um tratado. Cipião propôs termos relativamente "suaves"- Cartago abriria mão das suas possessões fora da África, a maioria delas já perdida, e teria que limitar a sua marinha de guerra. Masinissa também teria direito a ampliar seu território sobre as posses cartaginesas no interior da Argélia. O senado cartaginês ainda deliberava sobre os termos, quando Aníbal foi convocado de volta. Aníbal Barca continuava no sul da Itália com o apoio relativo de tribos locais, no comando de um exército muito experiente e leal. No outono de 203 embarcou com seus homens no porto de Crotona.

Com Aníbal de volta, Cartago se sentiu segura para abordar uma frota romana destinada a Cipião que havia encalhado no Golfo de Túnis, e confiscar sua mercadoria. Os romanos viram o ato como uma quebra do tratado, e Cipião marchou para Cartago. Aníbal saiu de encontro a ele na planície de Zama, perto da atual cidade de Siliana.

Os dois exércitos se equivaliam, com ligeira vantagem numérica para Aníbal. Além de infantaria e cavalaria (numídios que serviram com ele na campanha italiana), Aníbal ainda dispunha de 80 elefantes de guerra. Os romanos contavam com três corpos de cavalaria, dois deles de numídios comandados por Masinissa, e outro de romanos sob o comando do general Lélio.

Os dois generais também se equivaliam em perspicácia. Aníbal havia se inteirado das táticas de Cipião na Espanha, especialmente sua estratégia em Illipa de atrair o centro enquanto envolvia as alas do inimigo, e assim dispôs o exército em três fileiras, com a retaguarda mais recuada para dificultar o ataque pelos flancos. Já Cipião previu que Aníbal usaria elefantes, e sabia que os elefantes podiam ser direcionados para uma carga em linha reta, mas que não podiam ser manobrados. Assim, ele separou suas três linhas em blocos, que, ao avançar das feras, se separavam, abrindo corredores por onde os elefantes passavam sem causar prejuízo (para depois serem abatidos).

Com os elefantes fora do caminho, Cipião avançou com a cavalaria. Ele também sabia que Aníbal dependia da força e agilidade da cavalaria numídia (cujos cavalos eram menores do que os cavalos atuais) e se preocupou em levar um número maior dessas unidades para o campo. Como consequência da superioridade numérica romana, a cavalaria cartaginesa fugiu perseguida por Masinissa e Lélio para longe do campo de batalha.

As infantarias então se bateram violentamente, com ligeira vantagem para os romanos. Aníbal mantinha sua terceira fileira recuada, e à medida em que as fileiras em combate eram quebradas, ele as reorganizava integrando-as às alas da fileira anterior, mantendo a força das suas linhas e reforçando seus flancos. No momento em que Aníbal integrou a primeira e segunda linhas, a primeira linha romana (os hastati, ou lanceiros) foi aniquilada. Cipião então reproduziu a estratégia em suas próprias linhas e contra-atacou. A batalha no corpo a corpo seguiu ferrenha.

Num certo momento houve uma pausa, onde os dois generais reorganizaram suas tropas. Ambos formaram uma fileira única, mas Cipião colocou a sua retaguarda nas alas, os lanceiros no meio, e a segunda fila (os principes, aristocratas que possuíam equipamento de melhor qualidade) preenchendo os espaços entre eles. O combate foi violento, mas nenhum dos lados parecia obter vantagem.

Foi quando surgiram as cavalarias romana e numídia cavalgando pela retaguarda cartaginesa (Masinissa e Lélio haviam desbaratado a cavalaria inimiga). A batalha estava perdida para Aníbal, que conseguiu fugir. Mas metade dos seus homens tombou, e outra metade foi presa.

Cartago, sem forças, teve que se submeter a um novo tratado, muito mais duro. Ela teria que pagar um pesado tributo anual a Roma (que arruinaria a sua economia rapidamente) e limitar seu poderio militar a meros 10 navios de guerra. Também não poderia declarar guerra, envolver-se em atos hostis, ou sequer recrutar um exército sem a autorização de Roma. Da parte de Roma, muitos não se deram por satisfeitos: alguns defendiam que o fim da guerra desmobilizaria a população na Itália, fazendo-a retornar a um estado de indolência anterior; outros alertavam para o perigo de se manter um inimigo tão feroz em suas próprias terras e exigiam a destruição total de Cartago. O senador Catão, o Velho, sempre encerrava seus discursos com a frase "Carthago delenda est" ("Cartago deve ser destruída"), mesmo que fosse sobre qualquer assunto não relacionado. De fato, Cartago viria a ser destruída meio século depois quando, ao arregimentar um exército contra a vontade romana para se defender das contínuas incursões do velho Masinissa, provocou nova campanha militar de Roma, resultando na destruição da cidade, extermínio de grande parte da população, e sua terra salgada.

Depois de Zama, Cipião e Aníbal quase se encontraram em outra guerra. Aníbal, em exílio voluntário, colocou-se a serviço do rei Antíoco III na Síria, e temores de que ele preparava outra invasão à Itália (de fato ele recomendara especificamente isto a Antíoco, que preparava uma campanha contra os romanos na Grécia) levaram os romanos à guerra na Ásia. Na derrota, Antíoco deveria entregar Aníbal a Cipião, mas ele fugira a Bitínia, onde servira o rei local (numa das batalhas navais que comandara, bombardeara os navios inimigos com vasos cheios de cobras venenosas). O rei da Bitínia foi, também persuadido pelos romanos a entregar Aníbal, mas ele continuou a fugir. Antes de morrer, em algum ponto da costa oeste da Turquia entre 185 e 183 a.C, ele teria deixado uma carta que chegou a Roma, dizendo "Vamos aliviar os romanos da ansiedade que têm experimentado por tanto tempo, já que eles acham um teste de paciência muito grande esperar a morte de um velho".

E Cipião (cujo sucesso na Segunda Guerra Púnica lhe rendeu o apelido de "Africano") seria acusado por seus adversários, incluindo Catão, de aceitar suborno de Antíoco (ele havia defendido publicamente o irmão de tê-lo aceito, e, por causa disso, foi acusado também). Salvo pelos amigos de ser levado a julgamento, ele se retirou da vida pública em sua propriedade, próximo a Nápoles, onde morreu (à mesma época de Aníbal) e foi sepultado. Otaviano, o primeiro imperador romano, século e meio depois, visitou o local para prestar-lhe homenagens. Sua amargura pelo tratamento que recebera em Roma após os anos de serviço (pela primeira vez Roma conquistava territórios fora da Itália e das ilhas próximas) teriam-no feito ordenar a inscrição em seu túmulo: "Ingrata patria, ne ossa quidem habebis" ("Pátria ingrata, não terá sequer os meus ossos").

No filme O Gladiador, o personagem de Russell Crowe, Maximus, é escalado para um espetáculo no Coliseu onde se recriaria a Batalha de Zama. Maximus e seus colegas, representando as forças de Aníbal, rebelam-se vencendo a batalha e arruinando o espetáculo.

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