terça-feira, 17 de julho de 2018

A Quarta Cruzada

Em 1202, soldados e cavaleiros partiram de vários reinos europeus atendendo ao chamado do Papa Inocente III, com o objetivo de destruir o Sultanato Aiúbida. No entanto, em 17 de julho de 1203, a maior parte desse exército entregou-se ao saque de Constantinopla, causando o desmantelamento do outrora poderoso (e aliado) Império Bizantino.

Como isso foi acontecer?

As Cruzadas foram campanhas militares organizadas inicialmente pelo papado romano, em parte como resposta às dificuldades que os bizantinos estavam tendo para conter o avanço das nações islâmicas na Ásia. A Primeira Cruzada, em 1095, tinha como objetivo ajudar militarmente o Império Bizantino a recuperar terras perdidas para os turcos seljúcidas no leste da Anatólia, mas resultou na conquista de Jerusalém e no estabelecimento de reinos cristãos na região da Terra Santa. A tomada daquela cidade sagrada para o Islã foi uma demonstração de força da Europa cristã diante de mais de 300 anos de avanço muçulmano, que, contudo, tornou a região instável, disputada nos séculos seguintes por cristãos europeus, muçulmanos sírios, egípcios, e eventualmente mongóis. De fato, em 1187, o Sultanato Aiúbida, comandado pelo brilhante general Saladino, retomou a Cidade Santa, e a Terceira Cruzada, enviada em resposta, retomou algumas fortalezas perdidas (Jafa e Acre, por exemplo), mas não conseguiu reconquistá-la.

Da Europa Central para a Palestina, os Cruzados podiam seguir a perigosa rota pelo Mediterrâneo, ou seguir as estradas que iam para o leste, em direção a Constantinopla, pelos Bálcãs e Cárpatos, e de lá pelas confusas estradas da Anatólia. A passagem quase obrigatória pelo Império Bizantino, apesar de cristão, era um problema tanto para os católicos como para os bizantinos ortodoxos. Havia, de longa data, uma animosidade entre as duas interpretações do cristianismo, mas havia, sobretudo, um vão cultural entre a emergente sociedade feudal do ocidente, de matriz germânica, e da antiga e tradicional civilização oriental, de matriz grega mas que assimilava elementos asiáticos. A desconfiança levou o Sacro Imperador Romano Frederico Barbarossa, um dos comandantes da Terceira Cruzada, a planejar, com dissidentes sérvios e búlgaros, um ataque aos bizantinos, cuja política de tolerância e assimilação das culturas árabe e persa era vista como sacrílega; quando a ilha de Chipre, antiga possessão bizantina, foi reconquistada das mãos de rebeldes gregos, ao invés de ser devolvida, foi vendida pelo conquistador, o rei inglês Ricardo Coração de Leão, à Ordem dos Cavaleiros Templários.

Desde que Inocente III foi eleito Papa, em 1198, seu objetivo maior era organizar uma nova cruzada para retomar Jerusalém. No entanto, o cenário político não era favorável, já que as três principais potências, o Sacro Império Romano (em crise política com o papado), a França e a Inglaterra (em guerra um contra o outro) enfrentavam seus problemas. No entanto, um padre de Neuilly-Sur-Marne chamado Fulco conseguiu convencer alguns dos senhores mais poderosos da França a recrutarem exércitos contra a maior ameaça à cristandade, sobretudo à Terra Santa, o Sultanato Aiúbida. O líder da expedição seria o italiano Bonifácio de Montferrat. Sabendo das dificuldades da marcha por terra pela Anatólia (onde os cruzados, mesmo sob proteção bizantina, enfrentavam assaltos e hostilidades das populações locais nas cruzadas anteriores), Bonifácio buscou viabilizar uma frota marítima junto às potências comerciais de Gênova e Veneza. Venezianos concordaram em construir navios e transportar até 33 mil soldados (contando com 4500 cavalos) diretamente para o Egito.

Mas os cruzados, como havia sido antes, não compunham um exército coeso sob uma única liderança. Eram homens arregimentados e armados por senhores feudais principalmente na França (mas também alemães, belgas, e italianos), que os tinham como capitães. Embora houvesse a facilidade de transporte oferecida por Veneza, muitos optaram por embarcar em outros portos, como Marselha e Gênova. O embarque e o transporte eram feitos mediante pagamento dos senhores aos donos dos navios por cada homem embarcado. O problema é que dessa forma, apenas um terço dos homens esperados chegaram ao porto de Veneza, e os venezianos, que já haviam cumprido sua parte do trato, esperavam pelo pagamento total. Os cruzados reunidos ali foram dispostos de quase tudo que tinham para reunir menos do que Veneza esperava (o que contabilizava os prejuízos comerciais durante os anos de preparação e investimento na nova frota). Eventualmente, Enrico Dandolo, o Doge (ou duque, o cabeça da República local), propôs aos cruzados resgatar o montante devido achacando as cidades no leste do Adriático, então sob proteção sérvia ou húngara.

Apesar de uma ordem de Inocente III que proibia os cruzados de atacarem qualquer indivíduo, cidade ou reino cristão sob risco de excomungação, em novembro de 1201, a cidade croata (e católica) de Zara, atual Zardar, então uma ambição veneziana, foi sitiada. A cidade ostentava bandeiras com uma cruz sobre as muralhas, caso os invasores tivessem se esquecido de que a cidade era cristã, e alguns dos comandantes cruzados, como Simon de Montfort se recusavam a participar do cerco. Mas os soldados, já quase sem posses além de suas armas, viam, como Dandolo, a possibilidade de butim, e a cidade caiu em duas semanas. O Papa realmente excomungou todo o exército e a cidade de Veneza, mas como tanto cruzados como venezianos ainda precisavam se ressarcir dos prejuízos, seus líderes não informaram os soldados, com medo de que eles se dispersassem (Inocente voltou atrás três meses depois). Dandolo e os cruzados passaram o inverno em Zara, planejando o próximo passo.

Veneza cresceu graças ao comércio marítimo e à vigorosa e ágil economia local, impondo-se, mesmo com um território limitado à cidade, a portos aliados ou conquistados e colônias espalhadas pelo Mediterrâneo, frente a antigas potências tradicionais, como o Egito e o próprio Império Bizantino. Constantinopla era, pela sua localização geográfica, o principal entrave à expansão veneziana em direção às cobiçadas rotas que levavam à China e à Índia, e, apesar de inicialmente oferecer aos comerciantes venezianos privilégios, os irritava com novos acordos com rivais italianos de Pisa, Gênova e Amalfi. Em 1171, venezianos atacaram as posses de genoveses em Constantinopla, e em resposta o imperador Manuel I Komnenos mandou prender todos os venezianos na cidade e confiscar suas posses. Reforços vindos do mar tentaram vingar e forçar a libertação dos presos, mas fracassaram. Na confusão, rebeldes sérvios, instigados pelos venezianos, tomaram Ancona, a última possessão do Império Romano do Oriente na Itália. Embora a situação se normalizasse com o tempo, conflitos palacianos levaram à ascensão de Andrônico I Komnenos ao trono bizantino, e este imperador, que reinara por apenas dois anos, incitou a violência contra os que via como detentores do poder no Império - aristocratas e comerciantes latinos.

Enquanto isso, Bonifácio de Montferrat havia deixado os venezianos para visitar seu primo, Filipe, então rei da Alemanha (o que corresponderia ao cargo de Sacro Imperador Romano, caso tivesse a anuência do Papa). Ali encontrou-se com o príncipe Alexios Komnenos, cujo pai, Isaque II, havia sido deposto em Constantinopla por seu irmão Alexios III. Alexios prometeu a Bonifácio saudar a sua dívida com Veneza, além de ceder 10 mil soldados profissionais à sua expedição ao Egito, bem como colocar uma frota à disposição e, até mesmo, submeter o credo ortodoxo à autoridade do Papa, caso os cruzados o ajudassem a recuperar o trono bizantino. Tal proposta chegou aos cruzados em Zara, e foi abraçada com fervor por Dandolo. O Doge veneziano participara da expedição marítima de 1171, e teria sido cegado pelos bizantinos como punição. E agora ele navegava com uma frota de guerra e 12 mil cruzados em direção a Constantinopla.

Os cruzados, agora acompanhados por Bonifácio e Alexios, chegaram a Constantinopla em atitude hostil. As defesas da cidade, confusas e compostas apenas por um pequeno corpo de elite por conta das convulsões internas causadas pelos sucessivos golpes de Estado sofridos nas últimas décadas, foram pegas de surpresa. Ataques múltiplos foram desferidos nos subúrbios da cidade, fora das muralhas, enquanto a torre de Gálatas (onde se prendia a poderosa corrente de ferro que impedia o acesso ao Corno de Ouro, rio largo que dava acesso ao interior e à face norte das muralhas) era dominada. Mas para surpresa dos ocidentais (que, acostumados com a sacralidade da sucessão de seus tronos de pai para filho, imaginavam que o filho de um imperador deposto seria recebido com festa pelos seus pares), a embarcação onde se apresentava Alexios era ostensivamente hostilizada pelos cidadãos por cima das muralhas. Em 17 de julho, enquanto cruzados atacavam a muralha por terra, os venezianos tomavam parte da muralha pelo Corno de Ouro. Um grande incêndio causado com propósito de manter os invasores afastados destruiu quase 500 mil metros quadrados da cidade. O próprio usurpador, o imperador Alexios III (tio do pretendente), liderou um ataque em maior número contra os sitiadores no portão de São Romano, mas teria recuado em pânico antes do primeiro golpe. Ele fugiu para a Trácia, fazendo com que os comandantes locais restaurassem Isaque II imperador.

O retorno de Isaque ao trono frustrou as pretensões de um ataque direto dos venezianos aos tesouros bizantinos. Também colocava em cheque as promessas de Alexios, que só poderia cumpri-las se fosse ele o imperador. Sob pressão e alguma ameaça, Isaque concordou em coroar o filho Alexios IV coimperador.

Mas as coisas ainda não iam bem para nenhum dos lados. Alexios III fugira com boa parte dos tesouros em ouro e jóias. Alexios IV, desesperado para reunir logo algum dinheiro, ordenou a destruição de antigos ícones romanos para a cunhagem de moedas, mas nunca se chegava ao valor prometido. Alexios conseguiu um adiamento de seis meses para o pagamento, nos quais pretendia empregar os cruzados contra seu tio, encastelado em Adrianópolis. Mas o povo via o desespero do imperador como sinal de fraqueza diante de estrangeiros (hereges, além de tudo), e se rebelou na sua ausência. Na confusão, latinos eram atacados, e venezianos revidavam destruindo o que podiam. Um quinto da cidade teria sido arrasada por incêndios. Quando Isaque II morreu, em janeiro de 1204, o senado bizantino (descendente direto daquela instituição romana) nomeou Nicolau Canabus imperador, mas o jovem preferiu renunciar e se esconder numa igreja. Sem um líder formal (Alexios IV, voltando do estrangeiro, já não tinha mais sua autoridade reconhecida), Bizâncio estava sob comando de Alexios Doukas, que liderou uma rebelião contra os latinos, recusando-se a assumir as dívidas de seu suserano (que seria preso e executado semanas depois, dando espaço para Doukas ser coroado Alexios V).

Novamente a cidade foi atacada, e como sempre resistiu. Para estimular a coragem dos cruzados, clérigos insistiam na tese de que Deus os estava testando, e que a punição aos bizantinos era certa, pois haviam assassinado seu legítimo senhor; "os gregos são piores do que os judeus", pregavam. Em 13 de abril de 1204, os invasores tomaram a cidade, saqueando-a por três dias. Tesouros e obras de arte seculares foram destruídos, civis roubados ou assassinados, igrejas violadas, freiras estupradas. A grande catedral de Santa Sofia foi desgraçada e seus ícones e livros destruídos, e os cruzados bêbados colocaram uma prostituta sentada no trono do Patriarca. Imediatamente, o antigo Império Bizantino se fragmentou em 5 partes, ficando a sua parte européia centrada em Constantinopla sob o comando do nobre belga Balduíno - coroado Balduíno I, Imperador Latino. O Império Latino resistiu por 57 anos a ataques de pretendentes gregos por todos os lados, bem como de búlgaros recém-unificados se aproveitando do tumulto vindos do norte. O Império Bizantino foi restaurado em 1261 por Miguel VIII Paleólogo.

As consequências do saque de Constantinopla foram profundas. O Império Bizantino - o que restava do Império Romano, da milenar cultura grega, e da autoridade cristã no oriente - jamais se recuperou da crise, e foi suplantado pelos turcos, que avançariam inexoravelmente sobre a rica Anatólia até chegar a Constantinopla no século XV, expandindo uma influência duradoura sobre o sudeste da Europa. O cisma que existia entre catolicismo e ortodoxia grega se tornou um abismo tão profundo e duradouro que em 2001 o Papa João Paulo II reconheceu e expressou pesar pelo que os cruzados fizeram a Constantinopla, ao que o contemporâneo Patriarca Bartolomeu I aceitou como desculpas. A aproximação ainda é um trabalho político muito delicado, trabalhoso, e lento.

Poucos homens chegaram à Terra Santa na Quarta Cruzada, apenas reforçando posições já asseguradas então. Nenhum desembarcou no Egito.

domingo, 24 de junho de 2018

Os Altos Reis da Irlanda

Em 24 de junho de 637 foi travada a Batalha de Moira, na atual Irlanda do Norte, entre os aliados de Congal Cáech, senhor do reino de Ulaid, e seu padrasto, Domnall II, Alto Rei da Irlanda.

A ilha da Irlanda foi colonizada por humanos por volta de 12500 anos atrás, ao fim última glaciação. Nessa época, até cerca de 8000 anos atrás, a Grã-Bretanha estava conectada ao continente europeu, via Alemanha, Países Baixos, e Dinamarca, por uma porção de terra hoje coberta pelo Mar do Norte, e é provável que as primeiras pessoas tenham vindo da ilha vizinha, num processo que se acelerou por volta de 10000 anos atrás. Há 6000 mil anos, culturas neolíticas vindas do continente se estabeleceram ali, trazendo consigo a agricultura, os animais de pasto, e técnicas de construção de habitações, monumentos, etc..

Quanto aos celtas, não se tem certeza de que eles, que ocupavam grande parte da Europa continental e Grã-Bretanha na alta Idade do Ferro, tenham colonizado a Irlanda e suplantado as populações locais. As ideias mais recentes, amparadas pela arqueologia e pela genética, apontam que a "celtização" da ilha tenha se dado por difusão cultural devido ao intenso e prolongado contato com os vizinhos. A última onda migratória veio provavelmente de povos ibéricos, por volta de 2500 a.C., sendo impossível identificá-los culturalmente como celtas.

A cultura céltica se conservou na Grã-Bretanha romana, mesmo após a introdução do Cristianismo, a ponto de observarmos uma regressão dos povos britânicos às suas tradicionais formas de organização social, baseadas em identidades tribais, quando a ocupação romana entrou em colapso no século V. E onde os romanos não conseguiram se estabelecer, como na Escócia, na Cornuália, e no País de Gales, os celtas nativos mantiveram suas identidades. A Irlanda, embora fosse conhecida em Roma (que a chamavam "Hibernia") por fazer parte, desde a emergência do Helenismo no Mediterrâneo, de uma rede de comércio marítimo que abastecia as grandes civilizações da Antiguidade com lãs, e trabalhos finos em metal, permaneceu relativamente intocada diante da ascensão e queda dos grandes impérios.

A Irlanda, mantida à margem por tanto tempo, passou então a desenvolver seu próprio modelo de organização social. As diferentes tribos que habitavam a ilha ocupavam territórios frouxamente determinados, e alianças voláteis ampliavam e dividiam esses territórios tao rápido que é difícil traçar sua história com solidez até a chegada do século VI. No entanto, as tribos admitiam a existência de um rei sobre elas.

Este rei, o Alto Rei, inicialmente cumpria uma função religiosa: para ser sagrado Alto Rei, o candidato precisava se casar com uma deusa (a deusa que personificava o reino que se pretendia governar), precisava ser "imaculado" (tanto fisicamente, sem ferimentos, manchas ou pintas pelo corpo, como espiritualmente), e apresentar as virtudes necessárias para não desobedecer, no passado ou no futuro, certos tabus. Quando um candidato ao cargo cumpria os requisitos, a tradição irlandesa diz que a coluna de pedra conhecida como Lia Fáil ("Pedra do Destino"), no alto Colina de Tara, literalmente gritava para que toda Irlanda ouvisse que havia um novo rei. A tradição local atribuiu a origem deste monumento à raça semi-divina dos Tuatha Dé Danann, que a trouxeram junto com outras relíquias (uma lança, uma espada, e um caldeirão, todos com poderes mágicos) das "Ilhas do Norte". O herói lendário Cúchulainn teria partido a pedra com sua espada, em fúria por ela não ter gritado quando seu protegido, Réoderg, se candidatou a Alto Rei, e desde então ela nunca mais gritou - exceto, segundo lenda mais recente, quando Brian Boru foi coroado Alto Rei da Irlanda em 1002.

As crônicas locais apontam os primeiros Altos Reis tendo reinado a partir do século XVI a.C., mas as extensas e detalhadas listas não tem embasamento em outras fontes ou evidências arqueológicas até o século V. Na verdade, a ausência de uma legislação específica reconhecendo e legitimando a figura do Alto Rei sobre os pequenos reinos tribais da Irlanda, coloca a existência da figura do Alto Rei, ou a sua importância política prática, em cheque até o seculo VIII. Muitas vezes, o Alto Rei da Irlanda era apenas o rei de Tara, não exercendo qualquer tipo de poder fora da cidadela que ocupava a colina. De qualquer forma, como se trata de figuras tradicionalmente cerimoniais, eleitas por um processo místico-religioso, é possível que fosse sim um cargo de influência, almejado por reis locais pretendendo exercer poder sobre os rivais, e assim fosse determinado, de maneira pragmática, pela rede de alianças que ele representasse. A sucessão raramente era hereditária, e frequentemente descontínua.

O caso de Domnall e Congal ilustra a importância simbólica do Alto Rei, contrastando com a profunda descentralização do poder na Irlanda. No século VII, os reinos irlandeses tinham a participação dos reinos galeses e escoceses na sua vida política. De fato, galeses e escoceses estavam "espremidos" pelos saxões, que ocupavam quase a totalidade da Inglaterra, implantando ali uma sociedade de matriz germânica mais parecida com o que se via na França e norte da Itália pós-romanas, e a Irlanda, pela afinidade cultural, provavelmente era a válvula de escape para as pressões econômicas sofridas por esses reinos britânicos. A afinidade era tal que não era raro reis irlandeses serem aclamados senhores de reinos também na ilha vizinha. As lendas da Pedra do Destino, apontando sua origem para as "Ilhas do Norte" (provavelmente a Escócia) vão de encontro às lendas sobre a origem da Pedra do Coração (Stane o Scuin em gaélico escocês), pedra sobre a qual os reis da Escócia eram coroados, que teria se originado de fragmento da Lia Fáil original, levada à Escócia pelo Alto Rei Murtagh MacEirc para que um tio seu fosse coroado lá.

Domnall teria conhecido o monge Columba (canonizado como São Columba, creditado como responsável pela expansão do cristianismo na Escócia), que teria profetizado uma vida longa e bem sucedida ao rapaz. Domnall teria se tornado Alto Rei da Irlanda ao derrotar, com apoio de Congal e aliados escoceses, o então Alto Rei Suibne Menn, e depois invadir o reino de Leinster. Embora filho de sua esposa, Congal representava uma dinastia rival, apoiada pelo reino escocês de Dal Riata (que o nomearia rei, mesmo já sendo soberano de Ulaid), e a antiga aliança foi desfeita em 629, quando Congal apresentou-se diante da Pedra do Destino para ser sagrado Alto Rei, mas um olho cego (que a lenda atribui a uma picada de uma abelha pertencente a Domnall) foi tomado como uma "mácula", e seu requerimento negado. Ele resolveu provar a si mesmo merecedor do cargo enfrentando o parente em batalha, já que o sucesso na guerra podia ser suficiente para coroar alguém Alto Rei, como o próprio Domnall. Quase nada se sabe sobre a Batalha de Moira em si, mas milhares de esqueletos encontrados no local numa escavação recente dá uma ideia da dimensão e da reputação do evento - na França e na Inglaterra, por exemplo, batalhas contemporâneas raramente ultrapassavam 5 mil homens (guerras inteiras podiam ser decididas por batalhas travadas por algumas centenas de pessoas), dadas as dificuldades de se armar soldados sem exércitos profissionais, conceito abandonado por questões econômicas desde a retirada dos romanos.

Desde a época de Domnall II, o Cristianismo passou a exercer influência sobre a estrutura administrativa irlandesa. Mesmo o Alto Rei sendo originalmente um símbolo do paganismo nativo, a sua instituição passou a ser admitida, tendo em vistas a retribuição por parte do Alto Rei (então coroado formalmente numa cerimônia presidida por um representante do Papa, nos moldes europeus) na forma de doações de terras e castelos às paróquias católicas. A partir das invasões nórdicas, o Alto Rei passou a ter uma função unificadora mais efetiva, liderando esforços coletivos contra incursões norueguesas - os próprios noruegueses entrando no jogo político para posicionar algum aliado neste posto, assim como os saxões ingleses. A conquista normanda da Inglaterra repercutiu sobre a Irlanda, já que muitos normandos radicados na Inglaterra, ou da própria Normandia, eram encorajados a se estabelecerem na ilha. O Alto Rei passou a ser um líder contra os colonos normandos. Em 1258, após atacar com sucesso colônias normandas no Ulster, Brian O'Neill, rei de Tir Eoghain, foi coroado Alto Rei da Irlanda. Mas sua autoridade talvez não ultrapassasse a letra dos tratados, pois seus aliados nunca apareceram para apoiá-lo na Batalha de Druim-dearg contra normandos e aliados irlandeses. A morte de Brian, em 1260, marcou o fim da era dos Altos Reis. O modelo feudal normando esmagou a tradição tribal da Irlanda - no fim daquele século, a Irlanda contava com um parlamento e sua própria versão da Magna Carta, legitimando o rei da Inglaterra como senhor da Irlanda.

A Pedra do Destino ainda está sobre a Colina de Tara, o ponto mais notável do complexo arqueológico preservado no local (que inclui, entre outros, uma tumba de 3400 a.C., uma fortificação do século I onde foram encontrados artefatos de origem romana, e uma igreja do século XII), hoje uma propriedade rural. Desde o século XVIII a pedra e a colina tem sido usados como símbolos de união contra a dominação britânica. Israelistas britânicos (um movimento judaico-britânico de caráter nacionalista) vandalizaram o monumento no século passado, acreditando serem os irlandeses descendentes de uma das tribos perdidas de Israel, e a Lia Fáil o marco que guardaria o lugar onde a Arca da Aliança estaria guardada. Mais recentemente, a pedra foi atacada a golpes de picareta em 2012, e manchada de tinta em 2014, atos sem motivação evidente.

Neste dia também: A morte de Carlos Gardel

segunda-feira, 23 de abril de 2018

A Noite de São Jorge

Na noite do dia de São Jorge, 23 de abril de 1343, estonianos nativos se rebelaram contra seus senhores dinamarqueses e alemães numa tentativa de restaurar a soberania do país.

Povos de língua báltica e urálica ocuparam a Estônia e a Letônia desde fins da Antiguidade, e tiveram contato com emissários cristãos vindos da Alemanha e da Suécia desde o século VII. Os livônios, como coletivamente se reconheciam as tribos locais, continuaram seguindo sua religião nativa, dando ao cristianismo pouca penetração em seu território, embora ambas as crenças coexistissem. A atividade confessional se intensificou no século XII, quando senhores locais começaram a ver nos saxões alemães, cristãos, potenciais aliados contra seus vizinhos semigálios (que habitavam o sul da Letônia e norte da Lituânia), e usaram a religião como forma de atraí-los para seu lado. Não obstante, a prevalência da religião nativa báltica (e também eslávica, nas regiões ao entorno) sobre as tentativas de conversão ao catolicismo romano levaram o Papa Celestino III e seu sucessor Inocente III a convocarem uma Cruzada no norte da Europa.

O chamado do Papa e a resistência dos livônios levaram à formação de uma confederação de senhores e bispos alemães numa ordem de cavalaria, a Ordem Livônia (submetida à já poderosa Ordem Teutônica), com a missão de converter pagãos à força e submetê-los à autoridade papal, e também proteger interesses comerciais alemães na região. Durante todo o século XIII, a Ordem Livônia combateu uma a uma as tribos livônias, mesmo as que estavam sob proteção do rei da Dinamarca, e estabeleceu na região uma nação de facto, unida a bispados feudais formados em decorrência das invasões e quedas de chefes locais.

A tribo dos estonianos manteve algum nível de autonomia sob o Ducado da Estônia, faixa de terra no norte da atual Estônia que ainda estava sob domínio dinamarquês. Mas embora fossem garantidas liberdades individuais (como o porte de armas), os impostos eram abusivos, as relações comerciais desiguais, e privilégios a senhores de terras alemães e dinamarqueses (que tornavam os estonianos, antigos donos das terras, seus vassalos, presos a eles por dívidas irrecuperáveis) eram ultrajantes aos olhos dos nativos. No século XIV, a autoridade dinamarquesa diminuiu com a morte do Rei Cristõvão II, e a Estônia, então pesadamente colonizada por dinamarqueses e alemães, ficou dividida. Foi nesse momento que a minoria nativa - cerca de 2% da população do ducado então - viu que era hora de agir.

Os estonianos viam seu modo de vida entrar rapidamente em vias de extinção à medida em que germânicos cristãos invadiam e colonizavam o território, impondo línguas, religião, e estruturas sociais estranhas. A decisão - cuja autoria não está clara na principal fonte sobre a revolta, as crônicas de Bartolomeu Hoenecke - foi possivelmente uma reação desesperada frente ao destino inexorável do velho povo báltico diante da formidável máquina de guerra organizada pela superestrutura da Igreja Católica e seus aliados alemães.

Na noite de São Jorge de 1343, uma casa sobre uma colina na província de Harria foi incendiada, sinalizando o início da revolta, uma ação coordenada que tinha como objetivo primário o assassinato de todo alemão, homem, mulher ou criança, nobre ou plebeu. Segundo as crônicas, aqueles que os homens da Estônia pouparam foram mortos pelas mulheres, que também se encarregaram de queimar igrejas e monastérios. Rapidamente os estonianos elegeram entre si quatro reis, e sob sua liderança, organizaram um exército de 10 mil pessoas para sitiar a cidade de Reval (atual Tallinn, capital da Estônia, então sob posse dinamarquesa). Conscientes de que seu sucesso se devia ao elemento surpresa, e que a reação seria pesada por parte de alemães e dinamarqueses combinados, os novos líderes mandaram pedidos de ajuda a duques suecos, prometendo Reval ao rei da Suécia. Os duques responderam com promessas de ajuda.

As notícias se espalharam e inflamaram as comunidades estonianas. Na província de Rotália (atual Lääne), os nativos renunciaram ao catolicismo e caçaram os alemães onde estivessem, vitimando talvez 2000 pessoas. O Bispado de Ösel-Wiek também caiu, e em questão de dias os estonianos tinham o controle do Ducado.

Enquanto isso, sobreviventes chegaram ao castelo de Weissenstein, na atual cidade de Paide, então uma fortaleza de fronteira da Ordem Livônia. O Mestre da ordem, Burchard von Dreileben, mandou um cavaleiro, provavelmente estoniano (porque se diz que falava a língua nativa), para convocar os reis rebeldes ao castelo para se explicarem. Os reis, vendo a oportunidade de impedir uma contra-ofensiva alemã, aceitaram, e se deslocaram em uma pequena comitiva a Weissenstein, com a promessa de segurança e hospitalidade por parte da Ordem. Além do Mestre, outros notáveis da Ordem Livônia compareceram à conferência, incluindo o bispo de Reval, que os rebeldes permitiram passar pelo seu cerco e por todo o território sob seu controle. De fato, os quatro reis e três cavaleiros que os acompanhavam se depararam com um grande número de cavaleiros livônios esperando por eles em Paide.

Em maio, diante do Mestre da Ordem, os reis propuseram se submeter a ela, desde que não tivessem que pagar tributo a senhores estrangeiros - servindo a ordem com homens, armas e recursos quando solicitado. Ao serem perguntados o porquê de tantas mortes de alemães, os reis responderam que qualquer alemão merecia ser morto, mesmo que tivesse apenas dois pés de altura. Von Dreileben considerou um ultraje, recusou os termos apresentados, e exigiu que os reis permanecessem no castelo até que os capitães da Ordem, ele próprio entre eles, encontrassem seus exércitos em campo. Os reis questionaram a ordem, já que lhes havia sido garantida livre passagem de volta. Ao anoitecer do dia 4 de maio, enquanto eram conduzidos aos seus aposentos, todos os estonianos presentes foram assassinados (as crônicas atribuem o ataque à agressão por parte de um cavaleiro estoniano contra o livônio designado para escoltá-los pelo castelo, uma decisão tão estúpida que é desacreditada pela maioria dos historiadores).

Sem líderes, os estonianos foram incapazes de mobilizar uma resistência relevante diante do contra-ataque alemão. Em dez dias, a rebelião já havia sido dominada na Estônia continental, finalmente esmagada nos meses seguintes graças a reforços da Ordem Teutônica vindos da Prússia. Restou apenas um foco de resistência nas ilhas de Ösel (onde igualmente os estonianos nativos reunciaram ao cristianismo e atacaram alemães), derrotado dois anos depois (Burchard von Dreileben esperou o inverno congelar o mar entre as ilhas e o continente para atravessar com seu exército a pé e evitar um perigoso ataque anfíbio).

O auxílio sueco realmente chegou à Estônia, porém 4 dias depois da derrota decisiva dos rebeldes. Vendo os aliados derrotados, e Reval controlada pela Ordem (os dinamarqueses, que já haviam sido derrotados pelos suecos recentemente, temendo perder a cidade, a entregaram aos alemães), os suecos se contentaram em saquear o que puderam nos seus arredores e foram embora. Os estonianos ainda tentaram aliança com príncipes russos, mas um pequeno exército da cidade de Pskov também chegou tarde demais e foi desbaratado. A Ordem Teutônica acabou comprando as últimas possessões dinamarquesas na Estônia, tornando-se senhora de todo o Ducado.

O fim da Rebelião da Noite de São Jorge significou o fim da nobreza báltica nativa, restando aos povos da região a submissão a governos estrangeiros, que se alternaram entre alemães, poloneses, suecos, lituanos e russos pelos séculos seguintes. Quando os primeiros documentos impressos na atual língua estoniana (uma língua urálica afim do finlandês, em nada relacionada às línguas bálticas ao sul) surgiram no século XVI, já eram textos de teor religioso cristão, dando a entender que nos cerca de 200 anos entre a rebelião e a ressurgência do paganismo báltico e o advento da imprensa, as conversões foram ostensivamente bem sucedidas. Em 1943, no aniversário da Revolta, e em plena Segunda Guerra Mundial, a União Soviética, então suserana dos estonianos, divulgou localmente as crônicas, numa tentativa de inflamar o povo local contra os invasores alemães (a Estônia, anexada pelos soviéticos três anos antes, balançava no sentido de apoiar a invasão nazista).

A Estônia se tornou independente da Rússia em 1918, caindo sob domínio soviético em 1940, recuperando sua independência em 1991. O neopaganismo estoniano (baseado na antiga estrutura religiosa da Estônia medieval) é a oitava religião mais popular no país.

segunda-feira, 5 de março de 2018

Index Librorum Proibitorum

Em 5 de março de 1616, 73 anos após sua publicação, o livro Da Revolução dos Orbes Celestes, do astrônomo Nicolau Copérnico, onde, através de cálculos e observações se conclui que a Terra e demais planetas conhecidos giravam em torno do sol (e não em torno da Terra), descrevendo estes movimentos, entrou para o Índice de Livros Proibidos (Index Librorum Proibitorum) da Igreja Católica, impedindo sua publicação onde quer que este Índice tivesse força de lei.

Desde os últimos séculos do Império Romano, a publicação e edição de livros se tornou complicada na Europa, principalmente a partir da fragmentação, não apenas política, mas cultural e linguística do Império do Ocidente. O latim permaneceu como a lingua franca em boa parte da Europa, mas o povo mesmo, de matriz germânica (e antigos plebeus romanos) tinham pouco conhecimento e acesso a educação formal na antiga língua. Isso levou à deterioração do latim clássico e sua transformação, com contribuições estrangeiras localizadas, nas línguas latinas que conhecemos hoje. Fora das fronteiras romanas tradicionais, agora integradas ao grande cenário político e econômico da Europa Medieval, o latim subsistia apenas com termos tomados emprestados para dar nomes a coisas que os germanos e eslavos não tinham em seu vocabulário.

De maneira que a publicação de novas obras e reedição de obras antigas ficou praticamente restrita aos mosteiros, onde o latim continuava a ser preservado. Era nesses redutos que o conhecimento clássico foi mantido, mas devido às limitações impostas pelas técnicas manuais, nem tudo pode ser preservado. No mundo árabe, onde a língua e o alfabeto árabes se expandiram rapidamente (estimulados pela sacralidade atribuída a eles pelo Islã), todo o processo de preservação, produção e divulgação de conhecimento foi mais favorecido, de maneira que muitos tratados científicos e filosóficos, perdidos na Europa Ocidental, eram avidamente traduzidos dos originais gregos e latinos para o árabe, e empregados no mundo árabe, proporcionando, inclusive, uma ressurgência das ciências no mundo árabe medieval que a Europa só veria com o advento da imprensa.

E foi a imprensa que mudou tudo.

Com o conhecimento preservado e divulgado pelos mosteiros, ou seja, sob controle eclesiástico, a Igreja Católica observava a adequação dos temas à sua própria teologia antes de autorizar a publicação de determinada obra. Um índice criado extra-oficialmente no século IX, o Decretum Glasianum, já proibia certas obras, como um popular Evangelho apócrifo de Barnabé que aludia aspectos dos ensinamentos e a natureza de Cristo àqueles citados no Alcorão. Este controle foi subitamente perdido quando a prensa de tipos móveis passou a possibilitar a publicação, em grande quantidade, de qualquer coisa. Incluindo traduções livres das próprias Escrituras, sem o crivo do Papa (um dos combustíveis para a Reforma Protestante). A reação foi rápida: dioceses na Holanda, em Veneza e em Paris produziram suas próprias listas de obras proibidas, e em 1559, Papa Paulo IV promulgou a primeira lista oficial de livros proibidos pela Igreja. Os critérios para a proibição envolviam a inconformidade com o conteúdo ou linguagem com as questões de fé, anticlericalismo, blasfêmia, e conteúdo explícito e imoral.

Como a imprensa agilizou a troca de informações pela Europa, entusiastas das ciências começaram a trocar informações com rapidez, produzindo um "boom" de publicações sobre filosofia e ciência, e desenvolvimento de métodos de observação e experimentação, que fatalmente levavam a resultados que divergiam da ordem vigente, não apenas a adotada a partir da Bíblia, mas das obras clássicas consideradas infalíveis, como a cartografia de Ptolomeu ou as descrições do mundo, da anatomia e da fisiologia humanas de Aristóteles. Um dos aspectos observados pela Contra-Reforma Católica foi o banimento da heresia sob qualquer forma, fosse religiosa ou científica, de modo que, no período em que a Santa Inquisição - a instituição da Igreja que vigiava as práticas religiosas e servia como tribunal e executor - recrudesceu sua vigilância, no século XVII, nomes como Hobbes, Pascal, Calvino, Descartes e Bacon foram incluídos no Índice (Giordano Bruno foi incluído, e também julgado e executado por heresia, não tanto por questionar o geocentrismo, mas por fazer alusão ao panteísmo). A tese do Sistema Solar, heliocentrista, de Copérnico foi das primeiras a ser incluídas nesta fase, bem como várias outras que se baseavam nas suas observações.

Mesmo com o furor contra-reformista já apaziguado, o Índice continuou a ser atualizado até o século XX. Uma reorganização interna colocou o comitê responsável pelo Índice sob jurisdição do reformado Santo Ofício, e em 1948 foi publicada a última versão do Índice de Livros Proibidos, citando cerca de 4 mil títulos banidos (curiosamente, a lista não incluía as obras de ateus afrontosos, como Marx e Nietzsche, ou a ainda Charles Darwin). O Santo Ofício foi reorganizado na Congregação Sagrada da Doutrina e da Fé (de cujo ex-Papa Bento XVI foi diretor) em 1966, e como parte desta organização, o Papa Paulo VI decretou que o Índice não seria mais atualizado e nem teria mais força de lei (na prática, durante a sua existência, só tinha força de lei nos Estados Papais e onde mais os governos civis achassem adequado), sendo, contudo, recomendada a sua observação, pelo fiel, para a conservação da moral católica e da estrutura da fé.

O conteúdo do Índice está cheio de obras que se tornariam pedras angulares do conhecimento científico e filosófico modernos, apesar de terem sido banidos até a sua última edição. A persistente tese do heliocentrismo levou ao banimento de Copérnico e Kepler (retirados do Índice em 1835, quando o heliocentrismo já estava universalmente aceito); já Galileu foi punido e condenado a se retratar oficialmente pelos seus Diálogos, mas sua obra só obteve autorização para publicação após passar pela censura.

Judeus, como Baruque Espinoza e Maimônides, que publicavam na Europa, eram vigiados de perto e incluídos ao menor sinal de heresia. Espinoza precisava agradecer ao Papa e a Deus em seus prefácios.

Iluministas, como John Milton, La Fontaine (cujos contos e fábulas, proibidos, são matéria prima para a construção moral das crianças ainda hoje), Voltaire (um dos recordistas com mais de 40 obras proibidas) e Defoe (que colocava o Diabo como ator da História humana) tiveram obras banidas, bem como a primeira Enciclopédia, de Diderot e d'Alembert, e mais tarde, o Grande Dicionário Universal do Século XIX, de Pierre Larrousse.

A autobiografia de Giacomo Casanova, Memórias, foi banida por conteúdo explícito, assim como todos os romances de Balzac. Simone de Beauvoir foi um dos últimos nomes incluídos no Índice (já não publicado oficialmente) em 1956, com as obras Os Mandarins e O Segundo Sexo, este último discutindo o tratamento dado às mulheres ao longo da História. O Corcunda de Norte Dame e Os Miseráveis, de Victor Hugo, romances de enorme força popular nos últimos 150 anos, figuraram no Índice até 1959.