segunda-feira, 11 de setembro de 2017

Assalto a Santiago

Em 11 de setembro de 1541, um jovem chefe picunche, criado e educado entre os incas no Peru, chamado Michimalonco, liderou um exército de mais de 10 mil homens contra a recém construída colônia espanhola de Santiago, no Chile.

Em 1540, o espanhol Francisco Pizarro, tendo conquistado o Peru, enviou Pedro de Valdivia para percorrer os Andes ao sul e sondar locais para o estabelecimento de colônias em regiões de produção de metais preciosos. Naquele ano, Valdivia alcançou uma antiga aldeia de desterrados de diversas tribos andinas periféricas ao império inca, que os incas conheciam coletivamente como promaucaes, e os espanhóis dali em diante como picunches. Sem resistência, os picunches locais aceitaram que os espanhóis administrassem as minas nas quais já trabalhavam em troca de proteção. Em fevereiro de 1541 foi fundada a colônia de Santiago de Nova Extremadura.

Para os picunches as coisas não foram tão simples. Os novos senhores espanhóis exigiam um esforço sobre-humano dos trabalhadores nas minas de ouro e na construção da colônia. O próprio Michimalonco estava empregado como capataz, e ao se ver obrigado a colocar a segurança de seus conterrâneos em risco por senhores que não se importavam muito, rapidamente tornou-se um líder rebelde, cuja reputação crescia a cada dia. Valdivia, para assegurar a obediência de seus novos súditos e, no fim das contas, garantir a segurança das cargas transportadas entre as minas e a colônia, ordenou a prisão dos seus chefes, mantidos em cativeiro para persuadir os picunches a se manterem na linha.

Os picunches rebeldes realizavam assaltos e escaramuças. Outro líder picunche, Trangolonco, irmão de Michimalonco, realizou um assalto à antiga cidade inca de Quillota (então sob controle espanhol), matando a todos os espanhóis, escravos negros, incas e demais nativos peruanos, restando apenas um colono e seu escravo. O ataque atraiu a atenção de Valdivia, que mobilizou 80 soldados estacionados em Santiago para reprimir o bando de Trangolonco mais ao sul. Na colônia, deixara 50 homens sob o comando de Inés de Suárez.

Inés era uma jovem senhora com 34 anos, que teria ido à América atrás de seu marido, que teria se aventurado ao novo continente na expedição de Pizarro (ele teria morrido no mar, antes de desembarcar no Peru). Como viúva, ela recebeu uma pequena doação em terras, e se tornou criada e, possivelmente, amante de Valdívia, conquistador incumbido de construir uma capital no Chile, salvando sua vida pelo menos em duas ocasiões e participando de pequenas batalhas.

A movimentação de Trangolonco era um chamariz. Enquanto Valdivia caçava picunches no sul, Michimalonco trazia consigo cerca de 10 mil homens, que cercavam as paliçadas de uma Santiago quase desguarnecida. Os ataques, contudo, não eram muito sistemáticos devido à posição da antiga colônia, numa ilha fluvial elevada. Além disso, os colonos tinham armas de fogo e treinamento militar, e Michimalonco entendia que um confronto direto poderia colocar tudo a perder. Mesmo assim, os picunches avançavam sobre os espaços deixados pelos espanhóis na defensiva.

À noite, como boa parte da colônia estava perdida e os poucos homens desmoralizados, Inés reuniu um conselho de guerra e decidiu executar os chefes picunches para aterrorizar os invasores e dispersá-los. Um dos soldados que vigiavam os presos lhe perguntou: "como a senhora quer que os matemos?", ao que ela respondeu "assim", tomando a espada do homem e cortando as cabeças ela mesma. As cabeças foram atiradas sobre os picunches.

Com os atacantes chocados e desorientados, Inés cavalgou em direção à praça central, à frente dos soldados que faziam uma linha de frente, e comandou um avanço final que desbaratou os milhares de picunche apavorados, salvando o que restava de Santiago. No momento, a aparição de Inés, vestida em armadura sobre um cavalo branco aterrorizando milhares de inimigos, fez os espanhóis acreditarem se tratar de São Tiago, padroeiro da cidade e da própria Espanha, descendo do céu.

Quanto a Michimalonco, após a batalha, se retirou para os domínios dos incas. Mas esquecido e pobre, resolveu voltar ao Chile, disposto a fazer as pazes com os espanhóis, cuja bravura em batalha o havia impressionado. Valdívia o recebeu de bom grado, e o teve como aliado numa expedição contra os araucanos, no sul. Ele ainda serviria de embaixador entre os araucanos, convencendo-os naquele momento a se unirem aos colonos espanhóis para fundar uma nova nação. A relativa cooperação dos povos chilenos seria crucial para o sucesso da colônia.