sexta-feira, 13 de janeiro de 2017

A Primeira Guerra da Abissínia

Em 13 de janeiro de 1895, a Itália venceu a Batalha de Coatit, na Eritréia, contra forças leais ao Império da Etiópia. Foi a primeira batalha da Primeira Guerra da Abissínia, travada entre os dois países pelo controle daquela parte do Chifre da África.

A Primeira Guerra Ítalo-Etíope, ou Guerra da Abissínia, foi uma consequência do imperialismo do século XIX que culminaria na Partilha da África, e suas causas são bem convolutas: o Egito, protetorado do Império Otomano com alto grau de autonomia, começou a se mover para construir um império para si próprio na África, tomando partes do Sudão e conquistando a Eritreia. O Egito também tentou conquistar a Etiópia, mas fracassou. Uma grave crise econômica no último quartel do século XIX levou o Egito a abandonar a Eritreia, e em 1882 forças britânicas chegaram ao Cairo para uma intervenção no país - efetivamente colocando-o sob protetorado britânico.

Acontece que o Egito, desde as Guerras Revolucionárias, permaneceu na esfera política da França, e os franceses buscavam meios de remover os britânicos do país e restabelecer a sua influência local. Em 1869 foi concluído o Canal de Suez, o que tornava o Mar Vermelho o principal canal comercial entre Europa e Ásia, e a França passou a investir no estabelecimento de entrepostos, sobretudo em Djibuti, onde estava centrada a colônia da Somália Francesa - se a França conseguisse controle sobre o Mar Vermelho, o Canal de Suez e o Egito como um todo teria pouca valia aos britânicos. A Eritreia foi abandonada pelo Egito, e para evitar que a França assumisse controle do país, mas sem o ônus de estabelecer toda a administração colonial necessária, os britânicos manobravam diplomaticamente para que algum aliado assumisse a tarefa. Eles encorajavam o imperador etíope João IV, mas um tratado de 1884 já assegurava seu acesso ao porto eritreu de Massawa, e ele se dava por satisfeito. Então os britânicos voltaram-se para a Itália.

A palavra corrente na Itália no final do século era de ultraje pela anexação de Túnis pelos franceses. Túnis era possessão otomana, mas por questão de proximidade os italianos consideravam que, se a África devesse ser partilhada entre os países europeus, a Tunísia deveria estar sob a sua esfera de influência por questões geográficas e históricas. Além do sentimento anti-francês, havia uma expectativa na Itália de uma "virada" na sua história desde a sua unificação em 1861, porém pouco progresso podia ser sentido pois a maioria da população ainda vivia em situação de pobreza. Em 1885, a chegada de forças italianas em Massawa foi anunciada como o início de uma nova era.

A Etiópia fora a nação africana que sobreviveu às ondas expansionistas de árabes, turcos, e europeus, e mantivera continuadamente sua independência política. De fato, os etíopes conservavam o cristianismo ortodoxo como religião desde os seus primeiros séculos em meio a um mundo islâmico no seu entorno, e a nobreza etíope considerava-se herdeira direta do rei israelita Salomão através de sua amante Salomé (a bíblica "Rainha de Sabá"). Enquanto a Itália operava o porto de Massawa, Menelik II vencia uma guerra de sucessão contra o filho de João IV, Ras Mengesha (conquistando no caminho as regiões eritréias de Amara e Tigray, efetivamente conquistando a Eritreia) e era coroado Imperador da Etiópia. Logo em seguida ele assinou um tratado com o governo italiano em que cedia aos europeus o controle sobre a Eritreia em troca do reconhecimento de Menelik como soberano na Etiópia. Ou assim ele pensava.

Mas havia um porém: o texto em italiano e amárico não dizia a mesma coisa nas duas línguas. Em italiano, a Etiópia se tornava seu protetorado; em amárico, o mesmo trecho descrevia um dispositivo em que Menelik poderia negociar com qualquer nação européia por intermédio dos italianos. No frigir dos ovos, todas as nações europeias, com exceção do Império Otomano (que ainda se considerava o legítimo senhor da Eritreia) e da Rússia (que desaprovava o domínio de um país cristão ortodoxo por outro católico), reconheceram a versão italiana do tratado. Os apelos de Menelik à Grã-Bretanha e à Alemanha foram formalmente repelidos em respeito ao seu entendimento do tratado. Eventualmente Menelik, que não lia italiano (ao contrário do redator do tratado, o embaixador em Adis Abeba Pietro Antonelli, que era fluente em amárico) descobriu que havia sido enganado, o tratado foi cancelado unilateralmente.

Uma guerra entre a Itália (uma nação subdesenvolvida na época) contra a Etiópia na África poderia ter sido observada apenas superficialmente como curiosidade, ou como uma extravagância da jovem nação européia. Mas na realidade ela mexeu com antigas alianças e interesses geopolíticos maiores do que os dois países beligerantes. A Itália, por exemplo, que compunha uma Tríplice Aliança com Alemanha e Império Austro-Húngaro, fragilizou a composição dessa aliança ao aceitar a corte feita pela Grã-Bretanha, contra a qual a aliança se opunha. A França, que exigia uma posição de influência na Eritreia, negociava com a Itália a segurança da sua possessão na Tunísia, enquanto a Rússia, sua aliada, enviava armas e suprimentos para a Etiópia, esperando montar ali uma cabeça de ponte para uma possível expansão em direção à África - em 1894, foi a Rússia a primeira nação européia a denunciar o tratado.

As hostilidades começaram em 1893, quando Menelik repudiou o tratado. A Itália então moveu-se para assegurar territórios em volta das terras já ocupadas, tentando tomar Tigray com apoio de lideranças locais, rivais do imperador etíope, mas eles subestimaram o sentimento de unidade dos povos etíopes e eritreus em torno do seu imperador (ao qual preferiam em lugar de invasores europeus) - um deles, o próprio Ras Mengesha, filho e herdeiro natural do trono etíope, apareceu em Adis Abeba meses antes para manifestar sua submissão pública ao antigo rival.

O Primeiro Ministro italiano, Francesco Crispi, descrito como um sujeito presunçoso e tolo, acreditava que a nação africana, composta por "negros" (com a conotação negativa que isso podia ter), seria incapaz de se defender de uma máquina de guerra moderna. De fato, nos dois primeiros anos de guerra os italianos ocuparam a capital de Tigray, Adwa, e desbarataram as forças de Mengesha, se apropriando de armas e documentos estratégicos. A França ainda recusou o apoio pedido por Menelik e cortou relações com o país, deixando-o isolado. A vitória inicial em Coatit foi na verdade para repelir as forças de Mengesha, que invadiram a Eritreia - repelir o invasor elevou em grande medida a moral dos italianos.

As regiões de Tigray e Amara, ocupadas em rendidas pelos europeus, ficam na Eritreia: os etíopes propriamente ditos (um grande número de grupos étnicos unidos há milênios sob a figura do imperador) ainda não haviam sido testados. Menelik investiu toda a economia do país na mobilização de um exército, aproveitando-se das armas compradas aos russos (ou das que haviam chegado, pois os britânicos conseguiram impedir que um carregamento atravessasse a Eritreia até a Etiópia). Uma grande manifestação com quase 200 mil soldados recrutados de todas as partes do país em Adis Abeba teve enorme efeito motivador.

Em 1895 os italianos entraram no norte da Etiópia, mas foram expulsos de volta na batalha de Amba Alagi em dezembro. Menelik e sua esposa, a imperatriz Taytu Betul (diz-se que Menelik era um homem excessivamente diplomático, e ela lhe prestava o serviço de dizer "não" em situações difíceis) comandaram pessoalmente a contra-ofensiva etíope em Tigray. Em janeiro, após várias tentativas, conseguiram a rendição dos italianos no forte de Mekele, na fronteira com a Eritréia. Menelik permitiu que os soldados rendidos retornassem à sua base, sob comando do General Oreste Baratieri, cedendo mesmo a eles animais de carga. O gesto de generosidade teve outro objetivo: Baratieri esperaria os soldados retornarem para planejar o próximo passo, e isso daria tempo de Menelik encastelar-se nas montanhas perto de Adwa. Como resultado, Baratieri (cujo efetivo não chegava a 25 mil homens) ficou imóvel, relutando em avançar contra uma posição desvantajosa. Foi por pressão do primeiro ministro Crispi que o general decidiu agir.

Em 1 de março de 1896, cerca de 18 mil italianos e aliados nativos atacaram de madrugada os cerca de 100 mil etíopes em Adwa, esperando pegá-los ainda dormindo; mas os defensores acordavam cedo para os serviços religiosos, e estavam alertas e cientes do inimigo. Sucessivas ondas de etíopes esmagaram as brigadas italianas. Naquele dia, cerca de 12 mil soldados morreram de ambos os lados - perdas maiores do que qualquer batalha na Europa no século anterior. Os italianos presos pelos etíopes foram tratados da melhor maneira possível - já os presos eritreus que lutaram ao seu lado foram julgados traidores e tiveram as mãos decepadas.

Depois disso, Menelik negociou o tratado de Adis Abeba com a Itália e delimitou as fronteiras entre Etiópia e Eritréia, assegurando as posições italianas no país vizinho e forçando a Itália a reconhecer a independência da Etiópia. A vitória sobre um exército europeu fez com que ingleses e franceses reconhecessem o país como uma potência regional e negociassem seus próprios tratados com eles. O país africano permaneceria soberano até 1936, quando a Itália fascista novamente avançaria sobre a Etiópia, desta vez como uma forma de testar a máquina de guerra que empregaria três anos depois, na Segunda Guerra Mundial.

Neste dia também: Espanha visigótica

Nenhum comentário:

Postar um comentário