terça-feira, 3 de novembro de 2015

O segundo golpe da República

Em 3 de novembro de 1891, o primeiro presidente da República Federativa do Brasil, marechal Deodoro da Fonseca, diante de fortes pressões políticas, decretou medidas que colocaram o país em estado de sítio, esperando estabilizar o país sob a forma de uma ditadura.

A Guerra do Paraguai representou um ponto de mudança na política brasileira. Embora tenha sido uma vitória para o Brasil, ela trouxe os militares, muitos dos quais republicanos, ao centro dos círculos políticos do Império. Ao mesmo tempo, os gastos em vidas e dinheiro (que geraram uma persistente dívida pública), junto com a deterioração da saúde do Imperador Pedro II e a constante delegação de poderes à Princesa Isabel e aos ministros, fragilizaram a autoridade imperial. A autoridade do governo fragilizada, e sem o apoio convicto dos militares, resultou na proclamação da República em 1889.

O regime imperial estava tão fragilizado que o ato da proclamação da República veio por acidente durante um protesto, no Campo de Santana, centro do Rio de Janeiro, de militares contra o primeiro-ministro, o Visconde de Ouro Preto (espalhou-se um boato, falso, de que Ouro Preto havia mandado prender o Marechal Deodoro da Fonseca). No meio dos acontecimentos do dia 15 de novembro de 1889, os revoltosos, entre eles alguns republicanos declarados, mandaram chamar o idoso marechal Deodoro, uma figura de grande carisma e autoridade que lhes daria a segurança de que o governo não revidaria o protesto com violência. Deodoro, que estava doente, tirou seu pijama e vestiu sua farda, e foi ao Centro o mais rápido possível. Enquanto isso, Pedro II já havia decidido pela substituição do Visconde de Ouro Preto na pasta (diante do protesto, todo o gabinete pediu demissão). Dizem algumas versões que o indicado para substituí-lo era Gaspar Silveira Martins, um político gaúcho com quem Deodoro se desentendera por causa de uma mulher havia muitos anos, e isso o teria levado a se alinhar com rebeldes e republicanos naquele momento crítico contra o Imperador, seu amigo pessoal e a quem dizia dever favores. Com a chegada de Deodoro à praça, os republicanos teriam celebrado ruidosamente a queda do Império, enquanto Deodoro teria tirado o chapéu e gritado "Viva Sua Majestade!"

Eventualmente, Deodoro, finalmente ciente do papel que tomara para si naquela circunstância, reuniu-se com republicanos e vereadores da capital e lavrou uma ata, lida por José do Patrocínio (que também abandonara sua lealdade à monarquia no último momento), proclamando a República. Pedro II, no Paço de São Cristóvão, a pouco mais de 4 quilômetros dali, se recusou a mobilizar o exército para controlar a situação e acatou a decisão. Deodoro logo publicara seu primeiro decreto, proclamando o Brasil uma república federativa, elevando as províncias a estados federados, com seus próprios poderes executivos, legislativos e judiciários. Os novos estados aderiram rapidamente ao novo regime, largamente pela figura simbólica do marechal, membro do Partido Conservador. A família imperial foi exilada para Portugal no dia 17 de novembro. Por toda a capital, os símbolos da casa imperial de Bragança ostentados em prédios e gradios públicos foram arrancados, e substituídos mais tarde pelo Brasão da República. Foi o primeiro golpe de estado da República.

O primeiro governo provisório foi decidido a portas fechadas. Deodoro era membro da maçonaria (em 1891 foi nomeado Grão-Mestre), e os membros escolhidos para os ministérios eram absolutamente todos maçons. Embora em dezembro de 1889 tenha-se criado uma comissão para discutir as direções a serem apresentadas a uma Assembléia Constituinte a ser definida depois, por meses Deodoro governou por decreto, e este ponto de instabilidade institucional inspirava a desconfiança de investidores e governos estrangeiros, a formação de núcleos de resistência nas forças armadas e na sociedade civil (em dezembro de 1889 foi instituído um corpo de censores para regular a imprensa), e divergências entre os próprios republicanos. Duas correntes logo divergiram nos seus projetos para o novo regime. Uma, de influência liberal, pretendia um Estado federativo nos moldes dos Estados Unidos, com grande autonomia regional, e separação inequívoca entre os poderes; uma outra, influenciada pelo positivismo, planejava uma espécie de ditadura republicana iluminada, com concentração de poderes no Executivo, com alguns dispositivos que, em tese, garantissem que seus atos operassem para o bem comum. Houve também um cisma entre militares (alinhados com o positivismo) e civis (a maioria entre os liberais) na política. A economia também não ia bem, devido a uma política monetária iniciada pelo Visconde de Ouro Preto e continuada pelo novo ministro da fazenda Ruy Barbosa, conhecida como Encilhamento, que, ao tentar criar um cenário econômico propício para o crescimento da indústria, acabou desviando os investimentos privados de projetos públicos para o mercado especulativo, causando aumento exponencial da desigualdade com forte acumulação de capital, criando uma bolha no mercado financeiro que desestabilizou a economia.

Todos esses fatores influíram na celeridade do processo para a votação da nova Constituição - três meses entre a posse dos deputados constituintes até sua promulgação, sem grandes alterações à redação proposta pelo governo, em 24 de janeiro de 1891. A Constituição previa que o primeiro período republicano seria presidido por um presidente e um vice, eleitos pelo Congresso Constituinte (que a seguir tomaria posse do Congresso Nacional) de candidaturas independentes. Deodoro elegeu-se com relativa facilidade, mas o vice de sua chapa, almirante Eduardo Wandenkolk foi derrotado pelo candidato da oposição, marechal Floriano Peixoto (que apostara em pretos e vermelhos lançando-se, concomitantemente, à presidência, obtendo apenas 3 votos).

Apesar da vitória, o apoio a Deodoro de maneira geral era baixo por causa da crise econômica, e na esfera política era delicado desde o momento em que os paulistas ofereceram apoio a Floriano. Prudente de Morais, paulista e principal líder civil no Congresso, foi segundo colocado na eleição presidencial, arrastando 1/3 do parlamento consigo para a oposição. Deodoro apostara num Congresso com maioria de militares positivistas que apoiariam uma centralização de poderes no seu gabinete, mas a força da votação em Floriano Peixoto mostrou que as antigas elites cafeicultoras ainda ditariam os rumos do novo regime. O Congresso, durante boa parte do ano de 1891, tentou passar leis que reduzissem os poderes do presidente. No final de outubro daquele ano, a Lei de Responsabilidades, que poderia, pela Constituição, levar ao impeachment do presidente, estava em vias de ser aprovada.

Em 3 de novembro, encurralado por todos os lados, Deodoro tentou uma última cartada. No Decreto 641 publicado no dia 3 de novembro de 1891, Deodoro dissolveu o Congresso, convocando (sem data definida) novas eleições, determinando que o novo parlamento revisasse artigos específicos da Constituição (alegando o Congresso Nacional estar ultrapassando os limites previstos na Constituição e legislando sobre assuntos do Executivo e do Judiciário e que a Constituição em si apresentava falhas que abalariam a harmonia entre os Poderes). Estabeleceu estado de sítio no país: baixou censura sobre todos os jornais da capital; oficiais do exército procederam em esvaziar os prédios da Câmara e do Senado (literalmente colocando os parlamentares aturdidos na rua) e mantê-los trancados; líderes oposicionistas foram presos (incluindo seu antigo aliado, Quintino Bocaiúva). Se a República começara com um golpe de Estado que dava a si mesmo ares de democracia, agora ela caíra em uma ditadura.

Porém, Deodoro estava realmente sozinho. Prudente de Morais e Campos Sales começaram a organizar uma resistência civil ao golpe a partir de São Paulo. O representante do Partido Republicano Rio-Grandense no Congresso Estadual do Rio Grande do Sul, Júlio de Castilhos, declarou seu apoio a Deodoro no dia 12, e foi em seguida obrigado a renunciar. Grande parte dos militares viraram as costas ao presidente e ofereceram lealdade a Floriano Peixoto, inclusive os da marinha. Nos dias seguintes ao golpe de 3 de novembro, setores inteiros da economia entraram em greve. Deodoro tentou tranquilizar a oposição definindo as eleições legislativas para 29 de fevereiro do ano seguinte, mas era tarde demais. Dois dias depois, a pedido de Floriano, o almirante Custódio de Melo, no comando do encouraçado a vapor Riachuelo e outras embarcações fundeadas na Baía de Guanabara, ameaçava abrir fogo contra a capital caso Deodoro não entregasse o cargo. O marechal entregou a presidência ao seu vice para evitar uma guerra civil (a sublevação da marinha ficaria conhecida como Primeira Revolta Armada). Deodoro da Fonseca morreu 10 meses depois.

Floriano Peixoto assumiu a presidência mas não convocou eleições, como preconizava a Constituição de 1891 (a Carta previa que, se em menos de dois anos a contar da data das eleições indiretas de 1991 a presidência ficasse vacante, o vice convocaria novas eleições). Na verdade, com apoio das forças armadas, sentou-se à mesa do presidente tão confortavelmente que logo que surgiram as primeiras insinuações de que impunha uma ditadura, ordenou prisões e endureceu a censura e a repressão a movimentos civis. Uma segunda Revolta Armada tomou lugar no Rio de Janeiro (novamente, com a marinha comandada por Custódio de Melo exigindo reformas políticas), mas acabou num impasse e se diluiu, sendo derrotada em Santa Catarina em 1894. A instabilidade do Governo Federal teve reflexos imediatos no Rio Grande do Sul, onde explodiu a Revolução Federalista entre facções pró e contra Floriano (Castilhos estava com o governo), um conflito armado que resultou em cerca de 10 mil mortos. Devido à sua contundência na condução da política e no ataque aos oposicionistas e às diferentes rebeliões pelo país, Floriano ficaria conhecido como Marechal de Ferro.

A ditadura no Brasil só terminaria formalmente com a eleição de Prudente de Morais em 1894, termo final do primeiro mandato que Deodoro da Fonseca não chegou a cumprir. A estabilidade política veio de tal maneira que o Brasil passou as próximas três décadas governado por políticos capitaneados pelas oligarquias agrárias de São Paulo e Minas Gerais, a despeito de graves e contínuas agitações sociais e crises econômicas. Foi preciso que uma crise econômica global, restringindo o poder econômico das elites cafeeiras, abrisse uma brecha para uma mudança no cenário nacional - em 1930, a velha "Política do Café-com-Leite" seria derrubada por um novo golpe de estado e substituída por 15 anos por uma nova ditadura, sob Getúlio Vargas.

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