quinta-feira, 15 de outubro de 2015

Turcos em Viena

Em 15 de outubro de 1529, após quase 20 dias de resistência e dissenções internas, um grande exército otomano levantou o cerco à cidade de Viena e se retirou.

Desde meados do século XV, o Império Otomano avançava progressivamente pelo sudeste da Europa. Em 1453 tomou Constantinopla, rebatizada Istambul, e, a partir daí, anexou a maior parte de Grécia (deixando alguns rincões para seus aliados venezianos), Macedônia, Albânia, Sérvia, Bulgária. Assumiu o controle sobre os tátáros na margem norte do Mar Negro, e transformou a Transilvânia em um Estado-cliente. Em 1526 tomou a porção oriental da Hungria, incluindo a sua capital Buda (que compõe com a vizinha Pest a atual Budapeste). A conquista da Hungria se deu após a Batalha de Mohács, onde morreu o rei húngaro Luis II.

A porção ocidental da Hungria ainda resistia, sob a esfera de influência dos Habsburgo, a família reinante do Sacro Império Romano. Enquanto o sultão Suleimã nomeou um certo João Zapolya rei da Hungria, o Sacro Império reuniu seus príncipes e representantes em Bratislava e elegeu o parente mais próximo de Luís, o arquiduque da Áustria Fernando, seu cunhado e irmão do sacro imperador Carlos V. Com um concorrente apoiado pelo sultão, Fernando se apressou em assegurar sua posição reconquistando Buda e várias cidades centrais em 1527. Zapolya contava apenas com uma guarnição turca deixada lá. Porém, não demorou muito para que Suleimã respondesse marchando à frente de mais de 120 mil homens, reconquistando tudo que Fernando tomara e reinstaurando Zapolya no trono em quatro meses de campanha, em 1529. Como Fernando reinava em Viena, Suleimã decidiu avançar para a Áustria e capturar a sua capital.

Os quase cem anos de conquistas turcas na Europa, mesmo a tomada do último bastião do Império Bizantino, não causaram o pânico na cristandade européia que a marcha em direção a Viena provocou. Além do enorme contingente subindo pela Hungria, vários destacamentos percorriam a Bavária e a Boêmia ao sul e ao norte, espalhando terror e marcando a presença turca em territórios considerados seguros. Martinho Lutero, que declarara decididamente que os turcos muçulmanos eram uma punição divina pelos pecados dos cristãos, passou a exortá-los a combatê-los com vigor. O Sacro Império Romano estava ocupado na Itália e na França, mas Carlos V enviou mosqueteiros espanhóis. Landsknechte (lanceiros germânicos com roupas bufantes e coloridas e chapéus extravagantes típicos da Renascença que se empregavam como mercenários por toda a Europa) também se apresentaram. A população de Viena e das zonas rurais próximas organizaram suas defesas dentro da cidade. A Catedral de São Estevão foi usada como quartel-general.

Não se sabe o quanto os austríacos tinham consciência das dificuldades que os turcos enfrentavam em sua marcha para a Áustria. Suleimã partira da Bulgária em maio, com talvez 300 mil homens, peças de artilharia e camelos de carga. Em 1529, o verão nos Cárpatos foi especialmente úmido. Na Bulgária e na planície húngara formaram-se incontáveis atoleiros, onde os canhões afundavam e os camelos quebravam suas pernas. Os animais sequer chegaram à Hungria, e muito equipamento foi deixado para trás. Doenças também fizeram vítimas entre os soldados. Em um certo momento, o grão-vizir Ibrahim Pasha aconselhou ao sultão que adiasse a expedição, mas Suleimã considerava uma indignidade ter os seus planos contrariados pelo clima. Os turcos seguiram adiante. As batalhas travadas na Hungria em si não ofereceram grande dificuldade, devido ao pequeno contingente de defensores deixados ali por Fernando. Mas à medida em que se aproximavam da Áustria, os turcos enfrentaram guerrilheiros austríacos que entravam nos acampamentos à noite e atiravam bombas caseiras, incendiando as tendas (cerca de dois mil soldados turcos pereceram nesses ataques). Mas a perda da artilharia provaria ser decisiva.

Mesmo com as perdas e deserções, o exército otomano que chegou a Viena no fim de setembro tinha dez vezes mais homens do que seus defensores. Porém, boa parte estava doente e cansada, e das unidades em boas condições, um terço era de cavalaria leve, inútil em táticas de cerco. O sultão enviou emissários ordenando a rendição da cidade, mas eles voltaram sem resposta. Embora destruíssem os subúrbios da cidade praticamente desertos, sem seus canhões, os otomanos não tinham o que fazer além de cavar túneis para plantar explosivos sob as muralhas. Os defensores se esgueiravam à noite e destruíam esses túneis.

Ao longo das duas primeiras semanas, pouco progresso foi feito nas muralhas vienenses, e incerteza e inquietude tomaram conta dos otomanos, especialmente os janízaros, corpo de elite do exército otomano, que vinham aborrecidos desde Buda por não terem sido autorizados a saquear a cidade. Haviam notícias de que Carlos V selara a paz com a França e estava mobilizando reforços (havia rumores de que o próprio rei Francisco da França oferecera aliança ao antigo inimigo para uma cruzada contra os turcos). Fernando e sua corte haviam abandonado a cidade, deixando pouco a ser efetivamente conquistado com a sua queda.

No dia 12 de outubro Suleimã ordenou um ataque total, prometendo recompensas às tropas, mas o terreno encharcado pela chuva da noite anterior e a resistência dos mosqueteiros e lanceiros rechaçaram qualquer tentativa (o comandante da resistência vienense, o mercenário Nicolas von Salm, foi ferido por uma pedra nessa ocasião e morreu alguns meses depois). Para piorar, começou a nevar inesperadamente. Diante de um inverno precoce e sem previsão de tomada da cidade, Suleimã prudentemente ordenou a retirada das suas tropas e o retorno a Istambul. Ele não sabia que as muralhas de Viena, relativamente estreitas e reforçadas de maneira improvisada, poderiam ruir a qualquer momento.

Curiosamente, quando os turcos abandonaram o acampamento, deixaram também para trás muitas sacas de grãos de café, antevendo as dificuldades da marcha de volta para casa. Como não podiam tomar bebidas alcoólicas, os soldados muçulmanos tomavam café avidamente, aproveitando-se do seu efeito estimulante. Os vienenses recolheram tudo que os turcos deixaram de valor, inclusive o café, e rapidamente o gosto pela bebida se espalhou pela Europa Ocidental. O sacro imperador Maximiliano II posteriormente ordenou a construção do castelo de Neugebäude centrado no mesmo lugar onde ficava a tenda de Suleimã.

No final das contas, Suleimã, que até então sonhava em conquistar Roma, assegurou a posse da Hungria sob o títere João Zapolya. Na verdade, após esta campanha, o Império Otomano atingiu o auge da sua extensão territorial (o esplendor do império e a opulência da corte otomana fariam o sultão ficar conhecido no Ocidente como Suleimã, o Magnífico). A Áustria e o oeste da Hungria, sob autoridade de Fernando, estavam tão arrasados que ele se viu impossibilitado de organizar um contra-ataque imediato, mas em 1530 ele novamente cercou Buda. Suleimã ainda tentou levar a cabo uma nova campanha em 1532 em resposta, mas acabou perdendo tempo demais no cerco à fortaleza de Guns, desistindo em seguida de avançar até Viena. A fronteira entre os otomanos e os Habsburgo atingiram uma estabilidade que permitiu aos turcos se concentrar na busca pela supremacia no Mediterrâneo, levando-os a uma série de campanhas contra os poderes navais do sul da Europa, incluindo seus antigos parceiros venezianos. A incapacidade turca de avançar além da Hungria desmistificaria o seu poderio e encorajaria revoltas nacionalistas que irromperiam pela parte européia do império nos séculos que viriam. Outro cerco fracassado a Viena em 1683 marcou o início da decadência do Império Otomano - ou, talvez, o início da queda de um império comece do seu apogeu.

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