terça-feira, 4 de agosto de 2015

Vida e lenda de Dom Sebastião

Em 4 de agosto de 1578, Dom Sebastião I de Portugal tombou na Batalha do Alcácer Quibir.

Sebastião ascendeu ao trono aos três anos de idade. Durante o período de regência de sua avó, a Imperatriz Catarina da Áustria, e do Cardeal Henrique de Évora, cunhado de Catarina, o Império Português interrompeu sua expansão colonial e entrou na defensiva. Com a proeminência do cardeal no governo, e a educação religiosa do jovem Sebastião entre os jesuítas, o governo português se deteve em assuntos religiosos ao invés de aprimorar a administração das suas colônias. Com Portugal na defensiva, outra potência marítima da época, o Império Otomano (que disputava o domínio do Mediterrâneo com Veneza, mas pouco se aventurava fora dele) arriscava ataques diretos, ou por meio de piratas, aos navios portugueses próximos à costa do Marrocos. Portugal já possuía algumas fortalezas na costa marroquina, porém era muito custoso mantê-las, já que as fontes de recursos mais próximas estavam de posse dos mouros.

Surgem aí, portanto, três motivos que convergiram para um plano geral de conquista do Marrocos - a expansão do cristianismo para o vizinho muçulmano mais próximo, a erradicação da pirataria muçulmana em águas portuguesas, e a viabilização da presença portuguesa já existente no norte da África. Dois eventos ainda estavam por vir que mergulhariam Portugal numa guerra afoita contra o reino africano.

Em 1562, uma enorme força marroquina liderada por Mulei Mohammed cercou a fortaleza portuguesa de Mazagão, na costa marroquina. Nos três meses de cerco, 25 mil soldados marroquinos pereceram, contra 17 defensores portugueses. A resistência insuflou a moral portuguesa e o ego de Sebastião, que ainda era uma criança.

O jovem rei, que assumiria o cargo em 1568 aos 14 anos, crescera convencido de que estava destinado a realizar grandes proezas como rei e em nome da cristandade. Ele advogava uma cruzada católica contra os mouros, e iniciou imediatamente preparativos para tal campanha. Ele próprio havia aceitado prontamente um pedido do Papa para uma cruzada contra os turcos no oriente (ele já havia mesmo articulado uma estratégia com seus aliados persas para um ataque em duas frentes), mas acabou sendo dissuadido com muito esforço. No entanto, por conta própria, acompanhado apenas por alguns fidalgos e poucos soldados, e sem qualquer planejamento, Sebastião navegou secretamente até as cidades marroquinas de Ceuta e Tânger (possessões portuguesas na época), com o espírito de usá-las como ponte para conquistar o país, fosse como fosse. Em Tânger, as defesas marroquinas, à visão do rei de Portugal em pessoa, recuaram pensando que ele estivesse acompanhado de um exército. Sebastião regressou frustrado, com a ideia fixa de conquistar o Marrocos. Contudo, para esta causa não encontrou apoio - Filipe II, rei da Espanha e seu primo, em conferência privada, não só não quis participar da campanha, como preferiu adiar o casamento de uma de suas filhas com o rei português, com medo de que ele realmente seguisse seu plano e a deixasse viúva.

Por fim, em 1576, o sultão Mulei Mohammed (o mesmo comandante do cerco a Mazagão) foi deposto por seu tio, com apoio de um exército turco, e fez um pedido de ajuda a Dom Sebastião, prometendo-lhe mais concessões de terras no seu país, entregando-lhe, de pronto, a fortaleza de Arzila, que o rei anterior, João III, abandonara. Foi o pretexto para o rei português lançar sua tão sonhada cruzada que vinha preparando havia pelo menos 10 anos - a despeito da reação negativa de toda sua côrte, seus ministros, do clero, e de sua avó. Suas reuniões com ministros, contudo, não eram sobre a viabilidade de uma expedição ao Marrocos, mas para resolver os detalhes de como realizá-la de maneira eficiente.

Dom Sebastião partiu à frente de uma grande frota, com mais de 23 mil soldados (12 mil portugueses, os demais estrangeiros comandados por amigos seus e mercenários) e 40 peças de artilharia. O exército desembarcou em Tânger, onde juntou-se a Mohammed e 6 mil mouros, e seguiu por terra, passando por Arzila, em direção a Alcácer Quibir. A costa marroquina é árida, e a marcha por terra desgastou as tropas. De fato, Sebastião não se dera ao trabalho de dar ouvidos aos conselhos do aliado marroquino, e não fazia sequer ideia do tamanho do exército do seu inimigo, o sultão Mulei el-Malek. Perto de Alcácer Quibir, el-Malek surgiu um exército pelo menos duas vezes maior. Embora conseguisse avançar pelo centro, as linhas portuguesas foram cercadas pelos flancos pela numerosa cavalaria moura, e em 4 horas a batalha terminou com metade do exército português morto, e a outra metade capturada (cujos resgates custaram a ruína econômica da coroa portuguesa). Mulei el-Malek, que estava doente, morreu enquanto tentava montar seu cavalo. Mulei Mohammed se afogou enquanto tentava fugir cruzando o rio. Já Dom Sebastião foi visto pela última vez com seus amigos avançando com a espada em punho em direção ao inimigo.

Cerca de 100 sobreviventes conseguiram regressar a Portugal. Nenhum deles, nem os soldados resgatados posteriormente, contudo, produziu algum relato confiável do paradeiro de Dom Sebastião. Seu desaparecimento deixou o trono português vago, pois não tinha filhos (seria sucedido pelo velho cardeal Henrique, antes de passar para Filipe II da Espanha, que promoveria a União Ibérica). Logo se espalhou o boato, na própria côrte, de que Sebastião estava vivo e retornaria para governar o país. Mesmo que isso demorasse, o boato, transformado em mito, se tornou um motivo nacionalista na população durante a União Ibérica (embora Filipe tenha tentado mitigar o movimento alegando ter recebido dos marroquinos os restos mortais de Sebastião e os enterrado no Mosteiro dos Jerônimos, em Lisboa). Os trovadores João de Castro e Gonçalo Annes Bandarra deram ares místicos ao retorno de Sebastião, como a profetização de um Messias. O personagem tomou contornos similares aos do Rei Arthur, o rei-herói que deixou a Inglaterra para a misteriosa ilha de Avalon, mas voltaria para salvar seu país. No fim da União Ibérica, quando João de Bragança aparecia como o favorito ao trono português, era corrente a crença de que ele lutaria com Dom Sebastião ao seu lado para livrar Portugal do domínio espanhol (se tornando efetivamente Dom João IV). Dom Sebastião seguiu até pelo menos o século XX como um símbolo patriótico português, presente na literatura e na música. No Brasil, o mito de que Dom Sebastião retornaria para reclamar a coroa inspirou os movimentos populares de Canudos (Antonio Conselheiro via na monarquia brasileira, a única forma de governo legítima pela vontade divina, e que Dom Sebastião viria para restaurá-la) e do Contestado (corria a lenda de que Dom Sebastião lutava entre os revoltosos). Mais recentemente, o mito de Dom Sebastião foi evocado na novela brasileira Mandacaru, como figura que legitima a pretensão meio louca do cangaceiro Zebedeu a tornar-se rei da cidade de Jatobá.

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