quinta-feira, 27 de agosto de 2015

Plateia e Micale - a derrocada persa

Em 27 de agosto de 479 a.C., gregos e persas se enfrentaram simultaneamente em duas batalhas, em Plateia e Micale, resultando em duas derrotas decisivas dos persas.

A guerra entre gregos e persas iniciada no ano anterior com a invasão liderada pelo rei Xerxes mudou completamente de direção quando grande parte da marinha persa foi surpreendida e destruída na batalha de Salamina, perto de Atenas, em setembro de 480 a.C.. Ali, o colossal exército persa, um dos maiores contingentes humanos reunidos para a guerra em toda a Antiguidade, perdeu o apoio naval, que era o que assegurava as linhas de suprimentos da Ásia para a Grécia (segundo Heródoto, o exército persa era tão numeroso que a sua sede secava rios inteiros em um dia), e temendo que os inimigos velejassem até o estreito do Helesponto e obstruíssem aquela que era a principal rota de fuga por terra para a Ásia (havia uma estrutura de pontes montada ali de quando os persas atravessaram para a Europa), Xerxes então ordenou seu recuo e a fortificação de posições defensivas mais ao norte. Ele mesmo recuou com o grosso de suas forças para a Ásia. Mardônio, seu general mais próximo, se prontificou a manter um destacamento em terras gregas, se locomovendo entre a Beócia e a Tessália, já conquistadas, para, no ano seguinte, dar seguimento à campanha de conquista da Grécia. Almirantes persas também se mobilizaram para manter uma parte da esquadra ancorada em Samos, perto da costa da Ásia Menor.

A guerra então entrou num impasse. Mardônio, acampado na Beócia, ao norte da Ática (a península onde fica Atenas), sabia que não conseguiria nada tentando avançar por terra contra Atenas, que voltara a ser ocupada e reconstruída pelos seus cidadãos após Salamina, ou mesmo contra o Peleponeso. A numerosa esquadra ateniense asseguraria a mobilidade que seu exército necessitaria para chegar onde quer que os persas surgissem. Os gregos, por seu lado, estavam tipicamente envolvidos em conflitos políticos entre suas principais cidades-estado; os lacedemônios (liderados por Esparta) estavam satisfeitos em manter todos os seus exércitos em casa, prontos para defender o Istmo de Corinto, e os atenienses se recusavam a empregar sua armada contra os persas sem o apoio de forças terrestres. Sabendo das notícias, Mardônio enviou o rei Alexandre I da Macedônia, um aliado por conveniência, para negociar uma aliança com os atenienses. Eles recusaram. Mardônio marchou para Atenas. A cidade foi evacuada e seus habitantes conduzidos para a ilha de Salamina, como fizeram no ano anterior. Ali, Mardônio tentou novamente propor uma paz que beneficiasse as duas partes mutuamente.

Os espartanos, que continuavam mantendo suas forças terrestres estacionadas no Peloponeso, ficaram sabendo dos eventos por emissários atenienses, que lançaram um ultimato: se Esparta não agisse, Atenas poderia aceitar a proposta persa. Em alguns dias, os espartanos, que já haviam despachado navios de aliados seus sob comando do rei espartano Leotíquides II para combater os remanescentes persas no Mar Egeu, marcharam em direção ao Istmo. Atenas juntou sua esquadra aos aliados e adicionou 8 mil soldados ao exército que avançava para o norte.

Mardônio então desocupou Atenas e recuou até Tebas, onde a planície aberta favorecia a sua cavalaria contra as falanges gregas. Enquanto isso, a esquadra persa se movia da ilha de Samos para continente, perto do Monte Micale. Eles ancoraram, montaram uma paliçada na praia, e se juntaram ao exército deixado ali na região sob o comando de Tigranes.

Quando a frota grega chegou a Samos e não encontrou os persas, Leotíquides os conduziu para o continente, onde reequipariam os navios para a futura batalha. Foi com surpresa que encontraram os persas na costa do Monte Micale. Na ocasião, Leotíquides mandou um porta-voz potente o mais perto da praia para exortar os iônios (os gregos da margem asiática do Egeu) a não colaborarem com os persas. Talvez os persas tenham entendido a mensagem, porque, por desconfiança, eles desarmaram e designaram para funções menos importantes os seus principais aliados iônios. Desembarcados, os gregos avançaram em formação em direção ao acampamento inimigo. Os persas, ao invés de se manterem seguros atrás da sua paliçada, saíram a campo para enfrentar as falanges. No combate corpo a corpo, os gregos, mais bem armados e organizados, levaram vantagem. Aparentemente, os atenienses e seus aliados próximos avançaram mais rapidamente pelo lado direito para tentar vencer a batalha antes que os espartanos, formando um bloco à esquerda, chegassem ao campo. Pressionados em um dos flancos, os persas recuaram. Seus aliados debandaram. Quando os espartanos chegaram, o combate era travado dentro da paliçada, e sua formação ainda permitiu que atacassem também pela retaguarda. Os sâmios e os milésios, que estavam com os persas no início mas haviam sido afastados do corpo principal do exército por desconfiança, afinal se juntaram ao demais gregos para desequilibrar a batalha (os milésios guardavam uma passagem nas montanha, uma rota de fuga, e teriam massacrado os aliados dos persas enquanto fugiam naquela direção). Os navios persas foram destruídos, os generais persas mortos, e os soldados que sobreviveram fugiram para Sardes. A batalha também pode ter mudado de direção em favor dos gregos devido a rumores dos acontecimentos em Plateia, naquele mesmo dia.

Na Grécia, os lacedemônios marcharam com os atenienses e demais aliados até as encostas ao sul do rio Asopo, onde os persas esperavam na outra margem. Seria preciso atravessar o rio para chegar aos inimigos, passando por uma chuva de flechas, de maneira que os gregos se detiveram em terreno mais elevado. Os persas tampouco tinham esperanças de chegar incólumes até as linhas gregas morro acima, mesmo em vantagem numérica. O impasse durou mais de uma semana. No oitavo dia, Mardônio enviou um destacamento de cavalaria para capturar, com sucesso, um comboio de suprimentos. Dois dias depois, outra incursão persa capturou a única fonte de água potável nas montanhas. O exército grego então se preparou para mudar sua posição poucos quilômetros mais a oeste, para mais perto de Plateia, à noite. Mas, talvez devido à escuridão, ou à distância entre os diferentes destacamentos e alguma dificuldade de comunicação, o movimento foi desordenado. Os atenienses chegaram a Plateia, alguns outros ainda estavam espalhados pela planície, e os espartanos continuavam nas montanhas guardando a retaguarda quando o sol nasceu. Vendo a desordem e pensando que os gregos haviam desistido da batalha, Mardônio ordenou um ataque total.

A linha grega estava fragmentada, mas cada fragmento era capaz de responder ao ataque persa em perfeita ordem. Como os persas também se dividiram em relativa desordem para atacar os gregos, estes conseguiram resistir à primeira investida. Os espartanos e tegeus, mesmo sob ataque da elite da infantaria persa, começaram a pressionar de volta os inimigos morro abaixo. Mardônio, que comandava esta companhia do alto de um cavalo branco, foi cercado e morto, causando confusão e a debandada do corpo principal do exército persa. Indianos, bactrianos e sacas, que perseguiam o miolo das demais tropas lacedemônias, ao ver que os persas estavam sendo derrotados, também começaram a bater em retirada antes mesmo de entrarem em combate. Os atenienses, que combatiam tebanos - como eles, compostos por hoplitas organizados em falanges - conseguiram, com a ajuda de última hora dos plateus, aliados históricos de Tebas, empurrá-los de volta para o rio e dispersá-los. O centro grego conquistou rapidamente o acampamento persa, massacrando os refugiados no local. É possível que, após a vitória, Pausânias, o comandante espartano, tenha se apoderado de uma pira sobre uma montanha, que fazia parte do sistema de comunicação a longa distância (que inspirou uma famosa cena vista em O Senhor dos Anéis - O Retorno do Rei), e enviado um sinal que teria sido propagado até as proximidades de Micale, avisando os gregos na Ásia do sucesso em Plateia.

As derrotas simultâneas em Micale e Plateia marcam a virada da guerra entre persas e gregos. A partir dali, os gregos tomariam a iniciativa e empurrariam o que restou dos ocupantes persas de volta para a Ásia (ou os massacraria onde estivessem). A armada estacionada em Micale também daria fim à ocupação persa na Trácia. No fim, até Alexandre expulsaria os persas da Macedônia, chegando a termos com os vizinhos gregos. Na Ásia, a derrota em Micale desencadeou uma série de revoltas entre os iônios. Os atenienses forjariam uma vasta aliança (a Liga de Delos) para combater a ameaça persa no Egeu, e além, atacando Chipre e Egito. Essa Liga de Delos ganharia contornos de um verdadeiro império ateniense, que despertaria a desconfiança e a hostilidade dos espartanos, mergulhando a Grécia num longo e destrutivo período de guerra civil (alimentada pelo ouro persa).

Heródoto, o primeiro historiador, reconta uma anedota: após a conquista do acampamento persa perto de Plateia, Pausânias teria entrado numa tenda e pedido aos serviçais persas que lhe trouxessem um banquete digno de Mardônio, e aos cozinheiros lacônios uma refeição digna dele. Os persas trouxeram animais exóticos assados, cozidos, frutas recheadas, temperos, e todo tipo de iguarias refinadas que eles traziam consigo da Ásia. Os lacônios lhe ofereceram um caldo preto, feito com carnes, ossos, miúdos e todo tipo de planta comestível que pudesse ser encontrada, que todo espartano tomava enquanto estava acampado. Comparando as duas mesas, ele teria rido e convocado seus colegas generais, e proclamado: "Homens da Grécia, eu vos trouxe aqui porque desejo mostrar-vos a tolice do líder dos medos (persas) que, com tamanhas provisões como vocês veem, veio aqui para tomar de nós nossas poucas posses."

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