terça-feira, 18 de agosto de 2015

O povo vai às ruas pelo Brasil

Em 18 de agosto de 1942, protestos em várias capitais brasileiras pediam a entrada do Brasil na Segunda Guerra Mundial junto aos aliados.

Durante os anos 1930, Getúlio Vargas, inspirado pelo sucesso dos regimes fascistas na Europa, implantara de forma oficial sua própria ditadura no Brasil desde a instauração do Estado Novo em novembro de 1937. Tratava-se de um golpe de estado encabeçado pelo próprio Vargas que impedia o processo eleitoral previsto para 1938 com a justificativa da existência de um suposto plano comunista para tomar o poder, o Plano Cohen (um documento falsificado por um militar integralista, Olímpio Mourão Filho, insinuando ataques comunistas a membros do alto escalão do governo). Ali suspenderam-se direitos constitucionais, como o direito à greve e a liberdade de imprensa, extinguia a Justiça Federal de primeiro grau e o caráter federativo da nação (convenientemente, Vargas tinha uma nova Constituição pronta sobre a mesa para cimentar suas reformas). Instaurou-se um Estado de Guerra, que duraria até 1945.

A simpatia de Vargas pelo fascismo nunca foi disfarçada. Além de criar uma aparelhagem de propaganda nacionalista, perseguir comunistas e anarquistas e alimentar milícias (como os integralistas, que, contudo, logo sentiriam o peso da mão que os alimentava), Vargas tinha o cuidado de estabelecer relações diplomáticas amistosas com a Alemanha nazista, por exemplo - para onde extraditara a alemã, comunista, e de origem judaica Olga Benário, esposa do seu principal adversário político, Luis Carlos Prestes. O Brasil, contudo, tinha muito pouca autonomia no cenário internacional devido à fragilidade da sua infraestrutura, a indústria insipiente, a dependência do capital estrangeiro para alimentar uma economia baseada em comodities, o analfabetismo crônico da força de trabalho. Quando a guerra eclodiu em 1939, Vargas, que também era pragmático com relação à importância política e econômica dos aliados na Europa e dos Estados Unidos para o Brasil, declarou a neutralidade do país no conflito.

A despeito da relação de Vargas com o Eixo, submarinos alemães estabeleciam sua superioridade no Atlântico atacando navios militares ou das marinhas mercantes de quaisquer países não alinhados. Atacaram tão longe quanto o Rio da Prata. Entre 1939 e 1942, 14 embarcações brasileiras foram afundadas pelos alemães, matando 136 pessoas. A opinião pública a cada incidente se tornava cada vez mais intensa e exaltada. Natal era o porto brasileiro mais próximo da Europa e um dos alvos mais prováveis em caso de um ataque em terra contra o país, além de hospedar uma base militar aliada, de onde partiam os aviões americanos para a África e a Europa. A cidade organizava um esforço de guerra espontâneo de pré-recrutamentos, e do estabelecimento de uma economia de guerra local - racionamento de combustível, doações, divisões de trabalho entre civis para reforçar fortificações, etc. Em março de 1942, Vargas cedeu a pressões de todos os lados (inclusive dos americanos) e passou a vigiar de perto os imigrantes alemães, italianos e japoneses residentes no Brasil (uma rede de espionagem nazista foi desmantelada no Rio de Janeiro). Mas a neutralidade era mantida.

Quando chegou agosto, vários setores da sociedade civil, puxados pelas uniões de estudantes e alguns comunistas (em Natal, especificamente, um dos articuladores fora Vivaldo Vasconcelos, um dos organizadores da Intentona Comunista de 1935 naquela cidade), em várias partes do Brasil se mobilizaram em grandes atos públicos pela declaração de guerra contra a Alemanha. Foi a maior mobilização popular desde o início do Estado Novo.

Na semana que se seguiu, entre os dias 15 e 17, ocorreram mais seis ataques a navios ao largo da costa brasileira, todos operados pelo submarino alemão U-507. No dia 18 novamente a população ocupou as ruas, em número maior, exigindo a entrada do Brasil na guerra. No Rio de Janeiro, políticos de direita e esquerda, acadêmicos, jornalistas, líderes trabalhistas e populares ocuparam palanques e proclamaram seu repúdio à agressão nazista diante de dezenas de milhares de manifestantes. Enquanto isso, uns ou outros corriam as ruas convocando compatriotas a vingarem seu país. Colunistas de jornais insinuavam que os que ficassem em casa ou não deixassem seus postos estavam declarando seu apoio aos nazi-fascistas, e muitos, com receio do que ser considerado inimigo público podia acarretar naquele tempo, engrossaram a multidão. Assim, pelo menos em Belém e Porto Alegre (que eu tenha me informado, é provável ter ocorrido de forma mais generalizada), comerciantes que tentavam afastar a multidão de seus pontos acabavam agredidos e tendo suas lojas depredadas. Pessoas com sobrenomes alemães, inclusive judeus, também eram hostilizadas como "súditos do Eixo", mesmo em cidades onde grandes comunidades de imigrantes já estivesse integradas. Japoneses, que eram mais fáceis de serem reconhecidos, sofreram particularmente com agressões de nacionalistas exaltados. A facilidade com que o discurso nacionalista inflamava a população foi um resultado da retórica nacionalista historicamente empregada por Getúlio Vargas para mobilizar a população em torno de si contra "inimigos externos" (fossem quem fossem) para legitimar suas ações contra adversários políticos.

A resposta de Getúlio Vargas às agitações viria três dias depois, com o reconhecimento do estado de guerra entre o Brasil e os países do Eixo. Foi criada a Força Expedicionária Brasileira, que, contudo, só passaria a recrutar um ano depois (veteranos da FEB desdenhavam o ímpeto nacionalista dos estudantes que foram à rua no 18 de agosto, criticando o baixo número de voluntários durante o processo de recrutamento) e partiria para a Europa em 1944.

Contudo, foi menos a agressão alemã contra a marinha mercante, e menos a pressão popular, e mais a promessa de investimento americano no estabelecimento das instalações da Companhia Siderúrgica Nacional em Volta Redonda (de quem os aliados se comprometiam a comprar material para seu esforço de guerra), entre outras promessas de ajuda econômica, que levou o governo a tomar posição.

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