segunda-feira, 20 de julho de 2015

Rolo, o Andarilho

Em 20 de julho do anno Domini 911, Rolo, líder de um bando de vikings dinamarqueses, foi derrotado por barões franceses na batalha de Chartres. A presença de Rolo e seus vikings na França foi decisivo para o futuro daquela parte da Europa.

No século IX, toda a costa européia, da Alemanha até a Sicília, sofria ataques de vikings baseados na Noruega, na Dinamarca, e, em menor escala, na Suécia - os vikings suecos controlavam o Mar Báltico e faziam incursões na Finlândia e no interior da Rússia, comercializando com persas e árabes, e seus reis enviando embaixadas até Constantinopla. A própria Inglaterra e a Irlanda viveram sob o regime de senhores nórdicos que controlavam grande parte da Grã-Bretanha sob uma confederação conhecida como Danelaw, ou "Lei dos Dinamarqueses", também presente em muitas partes da Alemanha. A herança da presença dinamarquesa e norueguesa na Inglaterra é sentida até hoje, com nomes de cidades (Norwick, Holdenby, Durham), topônimos (Ravenscar, Rawcliffe, Melfort), sobrenomes (Hawksworth, Beckingham, Swansea) e vocabulário (newby, awesome, saga) de origem dinamarquesa. Dublin, capital da Irlanda, nasceu como um ancoradouro e povoado de vikings noruegueses.

O que impulsionou os vikings a atacarem a costa européia a partir do século IX ainda é nebuloso. Ao contrário das tribos germânicas na Europa Central, aparentemente não houve invasões forçando o deslocamento dos povos nórdicos em direção ao sul nessa época (movimento que os povos germânicos fizeram cerca de 1000 anos antes, por razões mais nebulosas ainda). Possivelmente uma explosão demográfica seguida de problemas climáticos ou outra crise sistêmica podem ter motivado os povos da Escandinávia a buscarem terras mais abundantes além-mar. No século IX, a Islândia e a Groenlândia (a "Terra Verde") eram muito mais propícias a atividades agropecuárias do que hoje, e lá se estabeleceram postos avançados da civilização escandinava - expedições partindo da Islândia, usando a Groenlândia como ponte, permitiram o breve estabelecimento de colônias na América do Norte. Com o correr dos anos e um breve resfriamento do clima (a Pequena Idade do Gelo antes do fim da Idade Média) levou ao fim das colônias na Groenlândia, mas a Islândia perdurou.

A pujança material das culturas europeias pós-romanas (especialmente os tesouros eclesiásticos) podem ter sido um chamariz para relações comerciais predatórias. Na costa francesa, os vikings ganharam temível reputação ao atacar aldeias e cidades, pilhando tudo que podiam carregar. Seus barcos longos e estreitos permitiam que eles navegassem rapidamente vários quilômetros rio acima, de maneira que o interior também estava vulnerável - houve incursões devastadoras ao longo dos rios Garonne, Loire e Sena, com pelo menos cinco ataques a Paris entre 845 e 886, chegando até a vila de Bèze, a mais de 350 km do litoral em linha reta. Os franceses chamavam indistintamente os vikings noruegueses e dinamarqueses de "normandos", "homens do norte" ("viking" é um autônimo que pode significar "navegantes" ou "remadores" e passou a ser usado de forma mais generalizada para circunscrever os povos escandinavos pré-cristãos somente a partir do século XIX). Por todo o século IX os franceses tiveram que conviver com os normandos, ora parceiros comerciais, ora destruidores de cidades e violadores de igrejas.

Em algum momento impreciso no fim do século IX, o guerreiro Rolo, um viking de origem incerta (norueguês ou dinamarquês), mas provavelmente nobre, chegou ao norte da França depois de muitas andanças pela Irlanda, Escócia e Bretanha - o que lhe rendeu a alcunha de "Ganger Hrolfr", ou "Rolo, o Andarilho", nas sagas islandesas. Os fatos da vida de Rolo e a forma como ele acabou liderando um bando de dezenas de milhares de dinamarqueses radicados na costa nordeste da França são tampouco confiáveis, uma vez que a primeira vez em que o seu nome aparece em crônicas francesas é pelo menos três décadas depois de assumir uma proeminência como líder viking, mas ainda pouco antes da sua morte. As crônicas posteriores, como não podiam deixar de ser, atribuem origens fantásticas e feitos extraordinários e contradizentes acerca de Rolo e suas andanças, mas nada disso é confiável. Algumas dessas fontes afirmam que Rolo já era um líder ativo no assalto a Rouen em 876, no cerco a Paris entre 885 e 886 e em toda a campanha do Sena naquele período. Num ataque a Bayeux, ele tomou Poppa, filha do conde de Rennes, como amante.

Em 911, Rolo comandou o cerco a Chartres. Naquela altura, Ricardo, duque da Burgundia, conseguiu organizar um pequeno exército para expulsar os normandos. Contudo, as suas forças talvez não chegassem à metade dos normandos. A batalha é mal documentada, mas conta a lenda que o bispo Gantelme trouxe para o campo de batalha o manto original que vestia a Virgem Maria, e isso teria inspirado os defensores e/ou afugentado os vikings pagãos. O fato é que Chartres não foi destruída - o lugar seria fortificado e sobreviveria para se tornar um importante centro religioso na França.

De qualquer forma, o rei da França, Carlos, o Simples, já estava considerando os normandos de Rolo formidáveis o suficiente para ter como seus aliados. A derrota em Chartres também pode ter incentivado Rolo, que já se aproximava dos 70 anos, a entrar em conversas com dignatários franceses. Algumas semanas depois de Chartres (no "outono" daquele ano), Rolo assinou o Tratado de Saint-Clair-sur-Epte, onde o rei lhe concedia todas as terras entre o rio Epte (um modesto afluente do Sena a meio caminho entre Paris e Rouen) e o mar. Em troca, Rolo e seus normandos tornariam a terra produtiva, contribuiriam com impostos à coroa, e se disponibilizariam a tomar parte em suas guerras. Carlos acrescentou uma cláusula que cedia aos normando a Bretanha, até então não conquistada pelos francos, cláusula que teria sido efetivada após a morte do rei bretão Alan I (mas anulada quando seu filho Alan II veio da Inglaterra e expulsou os normandos de lá). Aparentemente, Carlos e Rolo também entraram em termos como parte da preparação para uma invasão à Lotaríngia, reino-irmão da França na atual zona de fronteira entre o território normando, Alemanha e Países Baixos. Como demonstração de boa vontade, Rolo aceitou ser batizado e casou-se com Gisele, filha de Carlos.

O território cedido aos normandos, com acréscimos posteriores, ficaria conhecido como Normandia. O casamento de Rolo com Gisele, embora tenha se tornado tema de canções e trovas ao longo da Idade Média, não lhe deu filhos, mas de sua união com Poppa nasceu a linhagem de mandatários da Normandia (a partir de seu bisneto Ricardo II, eles seriam oficialmente duques). Na quinta geração depois de Rolo veio Guilherme, o Conquistador, que tomaria de assalto a Grã-Bretanha e daria fim aos reis anglo-saxões naquela ilha. A incursão de Guilherme também daria início a um imbróglio dinástico tremendo entre franceses e ingleses que suscitariam repetidas guerras por séculos - a rainha Elizabeth II ainda retém, informalmente, o título de "Duque" (apesar de mulher) da Normandia no território das Ilhas do Canal, possessões britânicas no Canal da Mancha próximas à costa francesa que faziam parte da Normandia nos tempos em que os reis ingleses também eram duques daquelas terras (os nativos a saúdam como "Duque"). Quanto a Rolo, se você ainda acha graça quando lê esse nome e tenta imaginar um viking poderoso, ele é a inspiração para outros nomes comuns hoje, como Rolf, Rodolfo e Raul (Hrolfr teria ainda sido batizado Roberto no ato da conversão). Uma versão anacrônica de Rolo o coloca como irmão do semi-lendário rei viking Ragnar Lodbrock no popular seriado Vikings, embora supostamente haja uma distância de algumas décadas entre a morte deste e as aventuras de Rolo na França.

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