segunda-feira, 27 de julho de 2015

O cristianismo chega ao Japão

Em 27 de julho de 1549, o missionário jesuíta, e futuro santo, Francisco Xavier chegou ao Japão. Foi a primeira missão cristã naquele país.

Francisco, cofundador da Companhia de Jesus, teve um papel muito significativo na expansão do catolicismo na Índia (especialmente Goa, principal cidade sob controle português na Ásia e sua base de operações), na China, e nas Filipinas, enquanto viajava sob a comenda do rei João III de Portugal. Em 1547, em Malacca, na atual Malásia, enquanto oficiava um casamento, ele foi apresentado a um samurai japonês exilado chamado Anjiro. Foi o primeiro japonês que se tem notícia a se converter ao cristianismo, e exerceu influência na decisão de Francisco de tomar o caminho do Japão. Xavier estudou avidamente tudo que se sabia sobre o Japão, usando também as informações trazidas por Anjiro.

O Japão só era conhecido dos europeus através dos relatos de mercadores portugueses que eventualmente passavam pela ilha de "Cipango". De fato, mercadores portugueses introduziram as armas de fogo no Japão em 1493 e continuariam a ser seus principais fornecedores de salitre para pólvora, o que se tornaria instrumental, uma geração depois, na guerra civil conhecida como Sengoku. A notícia que chegava a Francisco Xavier era de que o povo japonês era "razoável", e que o trabalho com eles seria muito mais produtivo do que com os "pagãos" na Índia. Acompanhado de Anjiro (batizado como Paulo de Santa Fé) e outros três jesuítas, munido de presentes ao "Rei do Japão", ele partiu de Guangzhou (antigamente conhecida como Cantão), na China.

Chegar ao Japão foi simples. Talvez tenha sido a parte mais simples da missão. Os problemas começaram quando o navio não obteve permissão para aportar, até que, em meados de agosto, eles desembarcaram em Kagoshima, na ilha de Kyushu. O daimyo local, Shimazu Takahisa, recebeu amistosamente Francisco como um dignatário do rei de Portugal e sua companhia, mas logo depois proibiu radicalmente a conversão do seu povo ao cristianismo sob pena de morte. Em Yamaguchi, Mori Motonari (personagem que inspirou Hidetora Ichimonji, personagem principal do filme Ran, de Akira Kurosawa), daimyo local, permitiu que Francisco pregasse ali. Mas isso não simplificou muito as coisas.

Francisco de Assis encontrou barreiras culturais que ele não havia encontrado na Índia, onde a evangelização vinha sendo feita de maneira acidentada. A primeira, a da língua, tornou a pregação direta da Palavra impossível. Francisco recorria a pinturas que trazia da Virgem Maria e do Menino Jesus para tentar explicar conceitos básicos. Vez ou outra, em pregações, ele lia textos das Escrituras traduzidos para o japonês (no alfabeto latino, tentando reproduzir os sons das palavras), sem qualquer fluência na língua. Imagine-se lendo um texto em romanji (o japonês escrito em alfabeto romano), sem ter como saber exatamente seu conteúdo, diante de uma plateia de japoneses nativos.

A segunda barreira era a própria base religiosa do Japão. Todos os japoneses eram adeptos do budismo ou do xintoísmo. Para eles, um Deus que tenha criado tudo, inclusive o mal, não podia ser um bom deus. A danação aos não conversos também perturbava os nativos, que combatiam a ideia de que seus antepassados estivessem sofrendo no inferno. Entre os japoneses ainda corriam o boato de que os cristãos comiam carne humana, provavelmente derivado do ato simbólico de se comer a hóstia representando o corpo de Cristo no ato da comunhão. Francisco tentou se adaptar ao vocabulário local traduzindo "Deus" para "Dainichi", que é o termo usado pela escola Shingon de budismo para designar o aspecto do vazio de Buda (Anjiro, budista de origem, teria sido responsável por isso). Embora isso lhe tenha rendido uma simpatia dos monges Shingon, assim que perceberam que a ideia do Dainichi pregado era diferente, e que a religião oferecida era uma concorrente, rapidamente retiraram esse apoio. O próprio Francisco, quando notou que Dainichi era uma "divindade local", optou por apresentar Deus como "Deuso", possivelmente o primeiro exemplo de transliteração de uma palavra estrangeira para o japonês. Logo "Deuso" foi distorcido para "Daiuso", que significa "grande mentira". A elite da cidade de Yamaguchi entendia que o que estava sendo pregado era uma nova forma de budismo.

A terceira barreira dizia respeito à própria apresentação visual de Francisco e seus auxiliares. A pobreza material ostentada pelos jesuítas era considerada vulgar pelos japoneses, dos quais mesmo os mais humildes seguiam regras de etiqueta e refinamento que não eram observadas na Europa ou na Índia. A humildade da sua aparência lhe fechou a porta mais importante: sua visita ao palácio imperial em Kyoto, para uma audiência com o Imperador, foi barrada por causa das suas vestimentas inadequadas. Para tentar ganhar a simpatia com demonstrações de poder, durante uma visita ao prefeito da cidade de Nagate, Francisco exibiu-se luxuosamente vestido, assistido afetadamente por cavalheiros e serviçais ricamente paramentados (representados por seus companheiros de missão), apresentando-se como representante do reino de Portugal e oferecendo a ele presentes do seu próprio tesouro, que recebera na Índia (muitos dos quais haviam sido destinados ao Imperador).

A quarta barreia era política. Sendo a política caracteristicamente fluída, essa barreira deixou de existir em alguns momentos. Francisco Xavier chegou ao Japão num momento tumultuado, onde o shogunato Ashikaga tinha sua autoridade questionada em várias partes do país, de modo que a instabilidade política nas províncias e as alternâncias das alianças podiam mudar as regras do jogo a qualquer momento. Os jesuítas entendiam a estrutura hierárquica do Japão feudal, e que portanto seria mais proveitoso tentar conquistar as elites, e deixar que elas se encarregassem de promover conversões em suas terras. Na verdade, fazia parte do plano inicial converter o Imperador, e, a partir da sua influência, converter todo o país em pouco tempo. Mas a delegação jesuíta nunca conseguiu contactá-lo. De qualquer maneira, alguns daimyos aceitaram a conversão e até encorajaram a conversão dos seus vassalos, mas visando apenas as vantagens que isso traria no comércio com os portugueses. Em Yamaguchi, a disputa interna pelo poder na família Shimazu pode ter levado a cordialidade inicial à hostilidade aberta nos poucos meses em que a missão esteve oficialmente na cidade (ou talvez tenham sido as agitações causadas pela sua pregação veemente contra a sodomia, na época amplamente aceita no Japão). Anos mais tarde, a influência da política japonesa sobre o cristianismo levaria a situações contraditórias, como a publicação de editos imperiais banindo a religião do país logo após a concessão de permissões do shogun, enquanto alguns daimyos (notadamente os rebeldes Oda Nobunaga e Date Masamune) faziam "corpo mole" para cumprir a lei contra os cristãos em suas terras.

Não obstante, a missão de Francisco Xavier terminou após dois anos com relativo sucesso. Depois de voltar à Índia em 1551, pelo menos três congregações cristãs continuaram a funcionar nas cidades de Hirado, Yamaguchi e Bungo de maneira independente e clandestina. Quando o padre jesuíta, Gaspar Vilela, chegou ao Japão em 1556, foi recebido por cristãos na atual cidade de Oita, onde permaneceu o companheiro de Xavier, padre Cosme de Torres. O daimyo Otomo Yoshishige, que conheceu Francisco em Oita, aceitou o batismo 27 anos depois, recebendo o nome do futuro santo. O Japão chegou a ter cerca de 130 mil convertidos durante o período Sengoku antes de um edito imperial de banimento total da religião. Ao longo da história os cristãos seriam intermitentemente protegidos ou violentamente reprimidos até que, durante a Restauração Meiji no começo do século XX a liberdade religiosa foi assegurada. Cerca de 2% da população japonesa atual é adepta do cristianismo, entre católicos, protestantes, e ortodoxos, a maioria entre imigrantes e seus descendentes.

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