segunda-feira, 8 de junho de 2015

Um tiro no vazio

Em 8 de junho de 1959, a marinha americana e o sistema postal dos Estados Unidos fizeram um teste de lançamento de correspondência via foguete guiado do tipo Regulus, lançado a partir de um submarino situado no norte da Flórida, em direção à base naval de Jacksonville, naquele estado. O foguete chegou com sucesso ao seu destino em 22 minutos.

 Comunicação a distância sempre foi um desafio para a humanidade. A capacidade de enviar e captar informações rápida e eficientemente determinava, por exemplo, o sucesso de uma batalha (sabendo de antemão a aproximação de um exército, seus números e sua composição, enviando mensagens de auxílio a aliados, interceptando informações da rede de inteligência inimiga, ou enviando mensagens de paz antes que os soldados cheguem às vias de fato), ou a possibilidade de adoção calculada de métodos, estratégias, tecnologias antes desconhecidas para o bem comum. A necessidade das pessoas de enviar mensagens para outras que poderiam colaborar (ou impedir) com seus planos também sempre foi uma preocupação.

 A comunicação direta à distância na pré-história sempre foi limitada a curtas distâncias, basicamente circulando e se difundindo lentamente de uma aldeia ou tribo nômade para outra conforme houvessem contatos casuais. Criar sinais que pudessem ser vistos à distância, como piras em chamas no alto de montanhas, bandeiras, reflexos de luz, soar de tambores ou outros instrumentos, ou colunas de fumaça nítidas e controladas configurando sinais pré combinados no céu, tiveram seu momento e sua utilidade, mas pecavam na confidenciabilidade do seu conteúdo e na necessidade de se capturar e interpretar com precisão um sinal que não poderia ser repetido. A eletricidade permitiu transmissão de sinais por fio (códigos sonoros, como o Morse, telefonia por fios de cobre e fibra ótica) ou por ondas eletromagnéticas (rádio, satélite), mas isso já no nosso tempo, e com seus próprios problemas. 

Mesmo dessa forma rudimentar, antes da invenção da escrita populações no Mediterrâneo obtinham obsidiana produzida em minas no Oriente Médio a 900 km de distância. Eles sabiam que havia obsidiana lá, e comerciantes chegavam até eles com mercadoria para atender uma demanda local porque viajantes levavam essa informação entre um lugar e outro enquanto se deslocavam de acordo com seus próprios interesses. O Egito Antigo foi um ávido consumidor de lápis lázuli extraído no Afeganistão.

As redes de informação à distância evoluíram com as rotas comerciais - era por aí que fluíam as informações sobre novos materiais, novas tecnologias, novas armas e táticas, mesmo movimentos de povos e guerras distantes. O ferro, por exemplo, era um metal conhecido, embora raro e difícil de se trabalhar, encontrado no Oriente Médio e usado como ornamento, até que por volta de 1200 a.C., no centro da Anatólia, começou a se desenvolver novos métodos para a fundição de ferro. As armas de ferro usados pelos hititas para enfrentar as civilizações da baixa Idade do Bronze no rio Eufrates, na Palestina e, sobretudo, o Egito, provocaram uma revolução mundial na indústria bélica, na agricultura e na produção de instrumentos domésticos que definiram uma era inteira, a Idade do Ferro.

 Se as informações fluíam pelas rotas comerciais, elas fluíam na velocidade que era possível. A pé, em carroças, barcos, caravanas, ou sobre o lombo de cavalos, sempre houve uma limitação para a velocidade com que uma informação gerada num ponto podia chegar a outro. O Império Persa construiu um sistema que explorava e otimizava a velocidade do seu veículo mais rápido disponível (o cavalo) para fazer com que mensagens circulassem o mais rapidamente possível, o que foi crucial para o estabelecimento e manutenção do Império Aquemênida, o maior do mundo até então. As estradas, ligando as principais cidades do império, eram pavimentadas, traçadas de maneira a evitar passagens muito intrincadas. Entre as capitais de Susa, a leste do rio Trigre, e Sardis, na atual Turquia, havia 111 estações, constantemente abastecidas com comida, água, acomodações para pernoite, e cavalos alimentados e descansados, de maneira que um mensageiro poderia fazer seu cavalo correr o mais rápido possível o tempo todo, trocá-lo por um cavalo descansado na próxima parada e seguir viagem a toda velocidade. Esse sistema, melhorado depois pelos romanos, foi o sistema de correios mais rápido do mundo até a invenção da locomotiva a vapor. Em alguns lugares em que sistemas semelhantes foram estabelecidos, muitos entrepostos acabaram evoluindo para novas cidades.

 A invenção das locomotivas e barcos a vapor aceleraram a forma com que informação passou a ser trocada, mas, logicamente, ainda tinha suas próprias limitações de velocidade, especialmente num tempo em que o telégrafo já estava se desenvolvendo. Uma locomotiva a vapor no início do século XX era o meio de transporte mais rápido que se conhecia, mas ainda não era o objeto mais rápido. Projéteis impulsionados por explosões de pólvora gradualmente suplantaram o arco e a flecha no campo militar, e também inspiraram ideias. Em 1810 o escritor alemão Heinrich von Kleist propôs que se instalassem canhões ou morteiros fixos que atirassem projéteis ocos contendo cartas em locais abertos onde seriam recolhidos e distribuídos - ou levados ao próximo canhão e atirados a outra localidade, assim sucessivamente até se chegar ao seu destino. Ele calculava que era possível transpor uma distância de 300 km em metade de um dia desta maneira.

 Foguetes, com propulsão própria, começaram a ser usados ainda no século XIX, e conforme sua autonomia de voo e precisão avançavam, eles se tornavam candidatos óbvios como veículos de correio rápido e de longa distância. Engenheiros alemães no final da década de 1920 calculavam ser possível percorrer um arco de 5 mil km com um foguete, cuja cápsula estaria equipada com um para-quedas, para evitar danos materiais e a integridade da correspondência. Existiam até esquemas para o lançamento sobre montanhas. Áustria, Alemanha, Inglaterra, Holanda, até Cuba fizeram seus testes. Um engenheiro inglês chamado Stephen Smith fez cerca de 270 testes com cerca de 20 foguetes providos pelo governo britânico na Índia - embora tenha tido algum progresso, o grande desafio ainda era acertar o alvo com segurança e efetivamente entregar a mensagem.

Como ficaria evidente durante a Segunda Guerra Mundial e os embaraçosos projetos de foguetes de longo alcance na Alemanha nazista, a ciência de foguetes ainda estava longe de produzir um meio rápido, seguro e preciso de envio de correspondência a longa distância. A aviação, por outro lado, avançava a passos largos, e mesmo na década de 1920 o correio aéreo era o meio pelo qual mensagens eram transportadas a médias e curtas distâncias na Europa e na América. Não obstante, os Estados Unidos continuaram perseguindo o desenvolvimento do correio via foguetes. A propulsão, a autonomia de vôo, e o relativo controle da rota só começaram a dar mostras de que isso seria viável já avançando nos anos 50.

Quando os americanos testaram o "rocket mail" via submarino, os aviões comerciais de grande porte já cruzavam o Atlântico regularmente, com capacidade para entregar toneladas de cartas e embrulhos de um continente a outro em menos de um dia. Por mais que os oficiais responsáveis pela operação tenham louvado a façanha como o início de uma nova era, a ideia do "rocket mail" foi logo depois abandonada em favor do correio aéreo. No final, foi um tiro no vazio.

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