quarta-feira, 3 de junho de 2015

O Projeto Madagascar

Em 3 de junho de 1940, o diplomata alemão Franz Rademacher expôs oficialmente um plano para a deportação de judeus em território nazista para a ilha de Madagascar.

Desde a ascensão nazista, em 1933, o "problema judaico" era um dos cernes das políticas raciais nazistas. Os judeus, acusados de controlar a economia alemã (apesar de sua grande maioria ser de proletários e profissionais liberais) e fomentar o Marxismo, "uma perversão judaica", tinham seus direitos cada vez mais cerceados: perdas progressivas de direitos civis, confinamento em bairros cercados e vigiados (guetos), confisco de bens, incentivos à emigração, depois vieram as deportações, o aprisionamento e confinamento em campos de concentração e trabalhos forçados. Mas mesmo aí os judeus continuavam sendo um "problema" para os nazistas, porque, em última análise, eles ainda tinham que mantê-los vivos de alguma forma.

O extermínio foi a "solução final", decidida em 1942 na Conferência de Wannsee, mas outras alternativas foram propostas anteriormente. Os incentivos à emigração não deram certo, porque poucos, mesmo com toda a repressão, queriam deixar voluntariamente seus lares (a guerra e o recrudescimento da repressão de fato aceleraram a emigração clandestina, sobretudo para a América). As deportações para campos de concentração no estrangeiro não eram tão úteis, porque esses campos ficavam em territórios controlados pelos alemães, e eles ainda teriam que manter os prisioneiros vivos - com a invasão da Polônia, por exemplo, a Alemanha se viu responsável pela vida de 3 milhões de judeus poloneses. Uma alternativa que foi levada a sério foi a deportação para Madagascar.

O Projeto Madagascar, ou as deportações forçadas para "longe", não eram exatamente uma novidade. A União Soviética criou, em 1934, um "Oblast" (região administrativa que corresponde a um estado) especificamente para os judeus soviéticos, onde poderiam exercer autogoverno, se expressar em sua língua (yiddish, não hebraico) e trabalhar livremente. Porém, nas regiões subdesenvolvidas próximas à fronteira com a Manchúria (a Região Autônoma Judaica ainda existe hoje, com o mesmo status, na Rússia, mas a população judaica residente não chega a 2 mil pessoas). Em 1937, o governo polonês estudou a possibilidade de reassentar seus judeus em Madagascar, mas o plano nunca foi adiante, porque os judeus presentes na comissão responsável pelo estudo estimaram que a ilha oferecia condições para menos de 1/10 da população pretendida. Em 1938, ideólogos nazistas examinavam essa possibilidade, e energia foi investida na elaboração do plano apresentado por Rademacher.

Madagascar ainda era uma colônia francesa subdesenvolvida, economicamente quase inerte, que, além de manter os judeus fora da Europa, impediria, por um longo tempo, que eles prosperassem. O plano de Rademacher incluía a transferência de Madagascar para a administração direta alemã como um dos termos de rendição da França, então sob ataque. Em seguida, Rademacher planejou a criação de um banco que usasse os fundos dos próprios correntistas judeus para custear o projeto. A segurança e organização seriam supervisionadas pela SS, de maneira que a colônia seria administrada como um Estado policial (proposta de Adolf Eichmann, contra um governo próprio judaico sob controle alemão pensado por Rademacher). A deportação seria feita em navios, com cerca de 1 milhão de judeus levados por ano durante 4 anos. Funções específicas foram distribuídas entre os ministérios alemães para viabilizar as diferentes etapas do projeto. A primeira providência prática foi a interrupção das deportações na Polônia e da construção do Gueto de Varsóvia, porque não teriam mais utilidade.

Porém, a derrota alemã na Batalha da Bretanha entre julho e outubro daquele ano, e a impossibilidade de conquista imediata da Inglaterra adiaram os planos. Os nazistas pretendiam usar a enorme marinha mercante britânica para realizar o transporte dos judeus para a África. Quando a batalha começou a pender para o lado inglês, em meados de agosto, o alto comando nazista começou a reconsiderar seus planos, e a construção de guetos e as deportações recomeçaram. O plano B, então, era a deportação em massa de judeus para a União Soviética através da Polônia (os soviéticos provavelmente se encarregariam ativamente de tornar as suas vidas o mais miseráveis possível, como eventualmente aconteceu fora do contexto da guerra), mas o fracasso do cerco a Moscou em 1941 levou os nazistas a se inclinarem sobre a possibilidade de extermínio sistemático nos campos de concentração instalados na Polônia.

Embora elaborado com a má intenção de isolar e dificultar ao máximo a vida dos judeus longe da Europa, empobrecidos ao extremo, em um lugar estranho e desprovido de infraestrutura, com a vigilância constante e restritiva da polícia nazista, e mesmo ainda com a possibilidade de mortes por inanição e doenças durante as longas viagens oceânicas, talvez os judeus europeus tivessem uma sorte melhor do que a que lhes aguardava até o fim da Segunda Guerra.

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