sexta-feira, 5 de junho de 2015

O herói desconhecido da revolta na Praça Tiananmen

Em 5 de junho de 1989 aconteceu isto:


Semanas antes, estudantes e jovens trabalhadores, com o apoio da população de Pequim e outras cidades, foram às ruas protestar contra diversas políticas do Partido Comunista Chinês (PCC), sobretudo quanto aos direitos civis e à repressão à liberdade de expressão. A China vinha de uma década de transição difícil que se seguiu ao fim do maoísmo e passava por uma grande reestruturação política e econômica. A estagnação da economia e divergências quanto aos rumos que a China deveria tomar enfraqueceram a autoridade do PCC, gerando a insatisfação.

Um político de posição liberal, Hu Yaobang, antigo secretário geral do PCC deposto por pressões internas de forças contrárias às suas ideias quanto a abertura de mercado, mobilidade social, controle da inflação e da corrupção no partido, morreu em abril. Estudantes universitários então compraram a briga e se reuniram em protesto na Praça Tiananmen (ou Praça da Paz Celestial, no centro de Pequim) por liberdade de expressão, de imprensa, e do fim do controle estatal dos meios de produção (defendiam que os trabalhadores deveriam exercer esse controle diretamente).

O protesto persistiu por vários dias, angariando crescente adesão popular em Pequim e em outras 400 cidades chinesas. Inicialmente o governo adotou um tom conciliador para debelar a crise. Mas como o protesto crescia dia a dia, chegando a reunir apenas na praça cerca de 1 milhão de pessoas, o governo passou a adotar uma estratégia mais radical. No dia 20 de maio o comando do PCC decretou lei marcial, e mobilizou 300 mil soldados em Pequim. Seu avanço foi retardado na periferia da cidade por manifestantes, que tentaram convencer soldados a desertarem, oferecendo a eles abrigo e comida.

O movimento atingiu massa crítica no final de maio, perdendo sua liderança e desorganizando-se gradualmente. O abastecimento, e aspectos básicos da ocupação, como higiene pessoal, ficaram comprometidos. Um dos principais líderes no início do movimento, o estudante Wang Dan, propôs recuar e reagrupar, mas sua opinião foi suplantada por vozes mais radicais. O grupo de Wang Dan tinha em sua posse um megafone, o principal método para coordenar as ações na praça. Logo eles perderam o controle do megafone, e cada um que o pegava se tornava temporariamente o líder. Em certo momento, manifestantes faziam correntes humanas nas ruas para evitar que outros fossem embora.

Enquanto isso, o PCC definiu o movimento como terrorista e contrarrevolucionário, convencendo-se de que havia influências ocidentais entre os estudantes. No dia 2 de junho o exército foi autorizado a limpar a praça com o que fosse necessário. As primeiras mortes em confrontos ocorreram naquela noite. Durante os dias 3 e 4, confrontos, prisões e execuções sumárias aconteceram na praça e em perseguições pelas ruas de Pequim. A contagem oficial de mortos na operação é de mais de 200, mas pode ter ultrapassado os 2 mil. Milhares foram presos, e aparentemente um deles ainda não foi solto até hoje.

No dia 5, uma coluna de pelo menos 15 blindados Type-59 rumava em direção à praça, já desocupada, pela Avenida Chang'an. Um morador não identificado, camisa branca e calças pretas, carregando uma bolsa e duas sacolas de supermercado atravessou a rua e parou no caminho dos veículos. O líder da coluna parou a poucos metros do homem, que gesticulava. Ele tentou manobrar em volta, mas o homem entrava no caminho. O tanque então desligou o motor, o que foi seguido pelo resto da coluna. O homem subiu no blindado, aparentemente falando através das escotilhas com quem estava lá dentro. Um oficial, aparentemente o comandante da operação, emerge e troca palavras com ele. O homem então desce e gesticula para que o blindado dê meia volta. Mas como a coluna voltava a avançar, ele corre de novo para frente, impedindo novamente o avanço. Já depois do fim do vídeo, dois homens também não identificado surgem e o retiram da rua.

Boa parte dos registros em foto e em filme do ocorrido sobreviveram à rápida ação de confisco da polícia secreta chinesa. Ninguém sabe quem é o homem de camisa branca nem o que aconteceu com ele. Rumores da época diziam que ele foi preso e executado fora dos holofotes para que ele não se tornasse um mártir. Se ele sobreviveu, deve ter sido um homem extremamente modesto para não se declarar, porque a sua atitude simbólica de resistência pacífica contra o esmagador poder de repressão do Estado, transmitida pela imprensa do mundo inteiro, se tornou uma das cenas mais icônicas do século XX. A revista Time elegeu o homem anônimo uma das 100 pessoas mais importantes do século.

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