segunda-feira, 22 de junho de 2015

"Não obstante, ela se move"

Em 22 de junho de 1633, Galileu Galilei recebeu sua condenação da Santa Inquisição por causa da sua defesa da tese de que a Terra gira em torno do sol.

Durante a Renascença, a Europa viveu um período de rápido desenvolvimento filosófico, técnico e científico. Em parte graças à redescoberta de obras e autores gregos (além de Aristóteles, cujo conhecimento enciclopédico, porém engessado por convicções sem bases experimentais, sobreviveu muito bem durante a Idade Média), árabes, e ao intercâmbio comercial e intelectual com a Índia e a China. As navegações transoceânicas literalmente aumentaram o tamanho do mundo para o intelectual europeu - que, com o advento da imprensa, tinha agora à sua disposição muito mais literatura disponível do que jamais poderia ter na era dos manuscritos - e pensadores de todas as áreas se apressaram em investigar o que havia ainda a ser descoberto. Até fins do século XVII, autores europeus haviam conseguido avanços notáveis em ciências, como a matemática, a cartografia, a botânica, e a astronomia.

A astronomia deve muito a Nicolau Copérnico, cujas observações o levaram a concluir que o sol estava no centro de um sistema, em torno do qual os planetas, incluindo a Terra, gravitavam em órbitas mais ou menos constantemente concêntricas. Sua tese foi exposta minunciosamente, e em toda sua tecnicalidade, no seu livro Da Revolução dos Orbes Celestes, de 1543. Num mundo moldado em torno da crença de que o homem era o centro do universo, e a Terra o seu cenário permanente, a alegação de que a Terra era apenas mais um dentre vários mundos girando em torno do sol era uma ameaça franca à credibilidade da Igreja e ao status quo montado sobre ela - embora, fora do mundo cristão, e mesmo muito antes dele, muitos suspeitassem de que as coisas transcorriam de outra maneira. Com o recrudescimento da Santa Inquisição como parte da Contra-Reforma católica, em 1616 a Igreja moveu o Da Revolução para seu índice de livros proibidos.

Galileu teve acesso ao Da Revolução anos antes, e teria dado a entender que concordava com sua tese em carta a Johann Kepler enquanto lecionava matemática em Pádua. Em 1609, ele construiu seu próprio telescópio baseado nas descrições do telescópio inventado no ano anterior por Hans Lippershey, e além de passar usar o projeto geral para construir telescópios de boa qualidade para a venda (o que lhe rendeu alguma riqueza), com ele passou a observar mais intimamente as estrelas e os planetas que até então só podiam ser vistos a olho nu. Galileu observou luas em Júpiter (Ganimede, Calisto, Io e Europa, conhecidas hoje como "satélites galileanos"), o que por si só rompia com a cosmologia de Aristóteles, que não acreditava ser possível que "planetas" orbitassem outros planetas. Ele também avistou os anéis de Saturno, e o planeta Netuno, que ele não chegou a reconhecer como tal, devido à sua dificuldade em segui-lo o suficiente para caracterizar seu movimento como o dos outros planetas. Viu manchas solares, cometas, e descreveu crateras na Lua, que se achava ser, antes, uma esfera translúcida e perfeita.

Sua observação de Vênus o levou a confirmar a tese heliocêntrica de Copérnico. Em Vênus ele viu claramente a ocorrência de fases, como as da lua. Como o movimento de Vênus não era ao redor, e nem dependente, da Terra, ele provava experimentalmente que aquele planeta girava em torno do sol, e a existência do movimento de translação. Tycho Brahe, antes dele, propôs um sistema em que o Sol era orbitado por Mercúrio e Vênus, e esse pequeno "sistema solar" orbitava em torno da Terra, junto com os outros planetas conhecidos, o que Galileu e outros cientistas consideravam "insatisfatório". Em 1615, em um ensaio, Galileu cautelosamente propôs que a teoria heliocêntrica não se opunha à Bíblia (cujo salmo 104, por exemplo, explicitamente diz que "O Senhor colocou a Terra sobre suas fundações; ela não pode ser movida"), pois certos trechos do texto sagrado deviam ser lido como poesia ou alegorias. No ano em que Da Revolução foi proibido, Galileu foi intimado a renunciar à tese heliocêntrica pela Inquisição.

Galileu formalmente acatou a decisão da Inquisição, mas continuou trabalhando sobre suas observações e os cálculos deixados por Copérnico e outros que continuaram trabalhando em outros campos da astronomia. Ele dizia estar trabalhando num livro sobre a mudança das marés. Mas na realidade estava compondo uma tese na forma de um debate de quatro dias (em que cada dia ele se concentra em um assunto) entre um filósofo a favor do heliocentrismo, outro a favor das cosmologias ptolomaicas e aristotélicas, e um leigo neutro. Ali ele expõe as contradições dos resultados obtidos pela observação e experimentação contra o empirismo filosófico. Esse formato foi uma sugestão do próprio Papa Urbano VIII, um progressista que testemunhou a favor da obra de Copérnico em 1616, e seu amigo. O personagem leigo afinal inclina-se a favor do heliocentrista, indicando a posição de Galileu sobre o assunto. O aristotélico, Simplício (que em italiano também pode significar "simplório"), também não é dos mais brilhantes, e é uma espécie de crítica ao obscurantismo eclesiástico.

Diálogos Sobre os Dois Principais Sistemas do Mundo foi publicado em 1632. Em 1633 Galileu se apresentou diante do Santo Ofício. A Inquisição o acusava de heresia ao defender o copernicismo. O Papa particularmente não deve ter ficado feliz de encontrar suas próprias teorias astronômicas na voz de Simplício. Por quatro meses a Inquisição interrogou Galileu, que defendeu-se alegando que, desde 1616, não advogara mais publicamente a tese de Copérnico. Mas ao final desse período, doente e sob ameaça de tortura, Galileu cedeu. Além de uma pena de prisão perpétua, alterada para prisão domiciliar, e da proibição da publicação do Diálogos, o astrônomo foi obrigado a renunciar, negar, e depreciar publicamente a tese heliocêntrica. Contudo, uma anedota popular que corria ainda quando Galileu era vivo dizia que, ao final de sua exposição contra o seu modelo de sistema solar, ele teria dito a famosa frase em desafio:

"E pur si muove". "Não obstante, ela (a Terra) se move".

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