quinta-feira, 18 de junho de 2015

Início da colonização japonesa no Brasil

Em 18 de junho de 1908, o navio Kassato-Maru aportou em Santos, litoral de São Paulo, transportando 781 imigrantes japoneses. Foi a primeira onda migratória de caráter oficial de japoneses para o Brasil.

Em 1850 foi proibido o tráfico negreiro no Brasil. Com o tempo, outras restrições ao trabalho escravo tornaram cada vez mais difícil manter a mão de obra nas grandes propriedades rurais - a impossibilidade de aumentar a produção agrícola, especialmente de commodities como o café, sem aumentar a mão de obra escrava, e mesmo seu eventual colapso, era o principal argumento dos defensores do escravagismo. O trabalho escravo negro nas lavouras moldou a sociedade de tal forma que os brancos brasileiros ou portugueses se deslocaram para atividades liberais, e para atraí-los para o campo seria necessário pagar-lhes um salário maior do que os proprietários estavam dispostos a pagar.

Os fazendeiros voltaram suas atenções para a possibilidade de contratar imigrantes - trabalhadores sem ocupação, moradia, ou qualquer tipo de raiz que os faria aceitar trabalhar pelos mais baixos salários, mesmo com a mão de obra local escassa. Dessa forma, a imigração de europeus, majoritariamente da Itália, da Alemanha, e depois da Espanha e do leste europeu, começou a substituir os negros, em grande parte agora libertos e altamente qualificados para o serviço, como mão de obra rural. Políticos brasileiros e grande parte da sociedade viam com bons olhos o aporte especificamente de trabalhadores europeus no país. Em 1890, um decreto presidencial incentivava a imigração de europeus, mas quanto a asiáticos e africanos, sua entrada no país dependia de autorização do Congresso Nacional. Uma lei de 1892 anulou essa limitação.

Havia um movimento anti-asiático em toda a América, incluindo o Brasil, em grande parte devido às recentes Guerras do Ópio, na China. Eram vistos como indolentes e insubmissos. Os japoneses, cujo país abrira-se ao contato com o ocidente havia menos de 50 anos, especificamente, eram considerados inassimiláveis, devido às grandes diferenças culturais. Em "conversas de bar" (porém, na voz de intelectuais e políticos da época), o "asiático" era tido como uma raça inferior.

O Japão, por outro lado, tinha seus próprios problemas. Décadas de estabilidade interna após a queda do shogunato, e melhoras significativas na qualidade de vida derivadas do intercâmbio tecnológico com as nações ocidentais fizeram com que a população japonesa inflasse rapidamente. A superpopulação, a carência de terras agricultáveis e o desemprego causado pela mecanização da agricultura fizeram com que o governo incentivasse a emigração. As primeiras levas migratórias foram para Estados Unidos (inicialmente, Hawaii), Peru e México, e depois, com a conquista de parte da China e da Coréia, para estes países também (quase todos os colonos japoneses deixariam Coréia e Taiwan depois do fim da Segunda Guerra Mundial).

As necessidades dos dois países convergiram. Em 1905 um ministro japonês veio a São Paulo, principal estado produtor de café, avaliar a possibilidade de um acordo de imigração no Brasil. Em seu relatório, ele notou a crescente economia agrária e a receptividade do povo. Seu relatório foi divulgado em todo o Japão, acendendo um interesse na emigração. Em 1906, por conta própria, o advogado Saburo Kumabe reuniu um grupo de voluntários e apressou-se em vir com a família ao Brasil, estabelecendo uma colônia agrícola em Conceição de Macabu, no Rio de Janeiro, no ano seguinte. Enquanto isso, o governo japonês criava a Companhia Imperial de Colonização, encarregada de providenciar informação, trâmites legais e a logística para operar o transporte e estabelecimento de emigrantes.

O governo brasileiro firmou um acordo com a Companhia com duas exigências: uma sobre a contribuição do governo brasileiro para o pagamento das passagens e o seu ressarcimento posterior, e outra sobre o número de imigrantes que deveriam chegar aqui: 3 mil famílias. Isso criou um problema para o Japão, porque os inscritos para a viagem eram quase todos homens solteiros. O Brasil não abriria mão desta condição, porque queria imigrantes permanentes, e solteiros não se interessariam em fixar raízes por aqui (isso era tão importante que o governo depois abriu mão do número mínimo de imigrantes, desde que viessem em famílias). Então as prefeituras japonesas que recebiam os pedidos de emigração começaram a promover, em questão de semanas, casamentos de fachada e adoções forjadas para que o total de 600 homens e 181 mulheres inscritos constituíssem algo parecido com famílias. Apesar do recrutamento ser preferencialmente para o trabalho nas fazendas de café paulistas, poucos emigrantes tinham experiência no campo: havia policiais, professores, sacerdotes, advogados, operadores de máquinas.

O Kassato-Maru foi originalmente um navio-hospital da marinha russa batizado Kazan, que foi capturado ou oferecido como indenização ao término da guerra Russo-Japonesa de 1905. Passou a ser um navio de passageiros, usado para o transporte de tropas para a Manchúria, depois para o transporte de imigrantes para a América. Em 1908 foi fretado pela Companhia Imperial de Colonização para a viagem ao Brasil. O navio partiu em 28 de abril, viajando para o oeste, passando por Cingapura, África do Sul, e, finalmente, Santos. O mesmo navio acabou convertido em cargueiro, e depois requisitado pela marinha de guerra japonesa. Ele foi afundado por aviões russos em 1945.

Do porto de Santos, os imigrantes foram levados a São Paulo, onde foram distribuídos para seis fazendas no interior. Cada fazenda tinha seu intérprete. Mas a estrutura de acolhimento e o sistema de trabalho pode ter sido um choque: as acomodações eram precárias, pequenas cabanas sem mobília, algumas incapazes de acomodar mais de três pessoas, e o trabalho era supervisionado por capatazes, que até pouco tempo lidavam com escravos. O Kassato-Maru partiu do Japão com quase dois meses de atraso, de maneira que, quando os japoneses começaram a trabalhar nas fazendas, parte da colheita estava perdida. Os salários naquele primeiro ano foram tão baixos que as famílias mal conseguiam comida suficiente para sobreviver, quanto menos guardar dinheiro. Os colonos se queixavam de trabalhar em regime semelhante ao de escravidão. Por intervenção da Companhia, os colonos foram trazidos de volta a São Paulo e designados para outros trabalhos, como na construção de estradas de ferro, ou em outros tipos de fazenda. Mas poucos permaneceram trabalhando na terra. Em 1910, apenas 1/4 deles continuavam no interior de São Paulo. Os demais foram para a capital (onde trabalhavam como empregados domésticos e no comércio), para Santos, Rio de Janeiro, Minas, ou Argentina.

De qualquer maneira, foi a partir desta primeira leva de imigrantes que se iniciou um fluxo contínuo (com interrupções temporárias) de imigrantes japoneses para o Brasil. Hoje o país conta com a maior população de descendentes de japoneses fora do Japão, com cerca de 1,5 milhão de pessoas.

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