quarta-feira, 17 de junho de 2015

Drácula versus o sultão

Na noite do dia 17 de junho de 1462, Vlad III, príncipe da Valáquia (ninguém menos do que Vlad, o Empalador, a pessoa que inspirou o personagem do Conde Drácula) tentou pessoalmente assassinar o sultão otomano Mehmed II, o conquistador de Constantinopla, então o soberano mais poderoso do mundo, em algum lugar na atual Romênia.

Mehmed II assombrou o mundo ao tomar Constantinopla em 1453. Mesmo que o Império Bizantino definhasse a olhos vistos por séculos e estivesse praticamente restrito à cidade, existia uma crença na inexpugnabilidade da cidade, que já sofrera tantos cercos antes (inclusive dois assédios turcos) e conseguiu se sustentar. Então sua queda foi um choque, e Mehmed, agora com os dois pés fincados na Europa se tornou uma espécie de inimigo comum da cristandade. O Papa Pio II chegou a convocar uma cruzada em 1459 contra os turcos para retomar a cidade.

Os otomanos, na verdade, enfrentavam grandes problemas para manter a estabilidade nos territórios recém conquistados na Europa. Revoltas na Albânia e na Bósnia, focos de resistência na Grécia e na Sérvia. O sultão então optou por assegurar territórios estratégicos para facilitar as suas defesas. Vlad, então príncipe da Valáquia, havia sido o único soberano cristão a demonstrar entusiasmo com a ideia de uma cruzada contra os turcos. Ocorre que a Valáquia controlava a margem esquerda do rio Danúbio, e os turcos estavam na margem oposta, e Mehmed decidiu que seria estratégico controlar o rio, por cuja extensão navegável os cristãos poderiam enviar tropas desde a Áustria. A hostilidade de Vlad era o pretexto ideal para iniciar uma campanha.

A Valáquia mantinha sua independência à base de pagamentos anuais da Jizya, uma taxa específica para não-muçulmanos, os quais Vlad se recusava a pagar desde 1459. No ano seguinte, representantes turcos foram enviados ao país para cobrar a dívida e requerer o envio de mil rapazes para serem treinados como Janízaros, o corpo de elite do exército otomano. Vlad mandou executar os emissários. Forças turcas então atravessaram o Danúbio e começaram a raptar meninos por conta própria. Vlad os encontrou e mandou que os empalasse.

Quando Mehmed enviou mensagem solicitando que Vlad fosse a Constantinopla negociar, o príncipe respondeu dizendo que o não pagamento da Jizya se devia às baixas reservas por conta da sua guerra contra os colonos alemães da Transilvânia, e que ele não poderia deixar a Valáquia com medo de uma invasão húngara, mas que mandaria ouro assim que pudesse, e se encontraria com o sultão se ele enviasse um designatário turco de confiança para o seu lugar enquanto estivesse fora.

Vlad havia sido refém de Mehmed por 5 anos, e eles se conheciam muito bem. Era tudo uma encenação. Vlad contava com apoio do rei da Hungria. Mehmed sabia. Ele enviou o governador de Nicópolis para se encontrar com Vlad, mas secretamente com ordem de prendê-lo e levá-lo ao sultão. Suspeitando da boa vontade de Mehmed em atender seu pedido, Vlad emboscou a embaixada otomana, matou todos os seus cavaleiros e capturou o governador. Disfarçado de turco, cuja língua ele dominava, liderou seus soldados até a fortaleza onde seria realizado o encontro e a invadiu, destruindo-a e matando seus defensores. Em seguida, lançou uma invasão à Bulgária, matando soldados e civis turcos, vitimando mais de 23 mil pessoas, seus corpos empalados. Vlad contabilizou meticulosamente todas as suas vítimas em cartas para o rei da Hungria. Uma força de 18 mil turcos foi desbaratada, e mais 10 mil mortos entraram na sua conta.

Em 1462, Mehmed reagiu reunindo um exército de 90 a 150 mil homens (ou até 400 mil, dependendo da fonte) e 120 canhões para cruzar o Danúbio. Eles avançavam penosamente sobre uma terra devastada e abandonada deixada para trás pelo exército de Vlad. Além de escaramuças com sua cavalaria, Vlad enviava doentes de lepra, tuberculose, sífilis e peste para interagir com os turcos e disseminar doenças. Acumulando fracassos, os turcos, cansados da marcha e tendo que deixar para trás seus próprios doentes, acamparam a caminho da capital valaquiana de Targoviste.

Vlad, em pessoa, se utilizou novamente do disfarce para entrar no acampamento turco e localizar a tenda de Mehmed. Ao cair da noite, Vlad trouxe seus soldados, cerca de 30 mil, iluminando o acampamento com archotes, enquanto os turcos estavam dentro de suas barracas - aparentemente o sultão deixara ordem para que os soldados não saíssem de suas tendas, o que explicaria a demora em responder ao ataque. Os valáquios atacaram os animais que estavam ao relento e vários turcos que se apressaram para ver o que estava acontecendo, enquanto Vlad cavalgava diretamente em direção a Mehmed. Mas ele errou o caminho. Quando se revelou, percebeu que estava na tenda do Grão-Vizir. No final, Mehmed fugiu, e a hesitação de um comandante valáquio impediu uma vitória total. Ao amanhecer Vlad recuou para as montanhas.

Mesmo com a moral baixa (dizia-se que Mehmed fugiu correndo e, se não tivesse sido contido, teria ido até Constantinopla sem olhar para trás), os turcos marcharam para a capital. Ao chegarem lá, encontraram a cidadela deserta... mas com cerca de 20 mil turcos empalados diante das muralhas, ou na beirada das ruas (incluindo o governador de Nicópolis, que deveria ter capturado Vlad meses antes). Dizia-se que Mehmed retornou a Constantinopla doente por causa daquela visão.

Vlad ganhou enorme reputação (tanto como herói da cristandade, especialmente na Europa oriental, mas também como maníaco e assassino cruel entre turcos e alemães), mas nas idas e vindas da política nos Cárpatos, sem apoio adequado (pois Vlad executara e empalara vários nobres locais), ele não foi capaz de impedir o inexorável avanço otomano na região. Cronistas da época diziam que Vlad foi abandonado pelos seus aliados, capturado em batalha, decapitado, e sua cabeça, conservada em mel, levada para Constantinopla e exibida publicamente numa estaca, para provar que estava morto.

Ou será que não? :P

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