terça-feira, 9 de junho de 2015

A derrocada de Nero

O dia 9 de junho foi uma data auspiciosa na vida do imperador romano Nero. No ano 53 ele se casou com Claudia Octávia, uma prima e irmã adotiva, filha do seu tio-avô e antecessor Claudio. No ano 62, Claudia, exilada pelo próprio marido, foi levada ao suicídio. E em 68 foi a vez de Nero dar fim à própria vida.

Nero foi o último imperador da dinastia Júlio-Claudiana, que começa com o herdeiro legal de Júlio César, Augusto, que se casou com Lívia Drusila, da família Claudiana, e teve como herdeiro seu enteado Tibério. Dizia-se que a família Claudiana tinha uma veia boa e uma veia má. Além da própria Lívia, uma conspiradora extremamente astuta que provavelmente influenciou na morte dos filhos legítimos de Augusto debaixo do seu nariz para levar Tibério ao poder, e de Tibério, um político cortês que levava uma vida particular chocantemente depravada, a família ainda gerou Calígula, de má fama eterna como um tiranete impiedoso e suscetível a ímpetos de loucura. Da veia boa, existiram Cláudio Druso, primeiro filho de Lívia, um militar de carreira ilibada que morreu (ou talvez tenha sido morto) jovem, seu segundo filho Germânico, também militar extremamente popular por sua beleza, habilidade, vitórias e boa reputação (pai de Calígula, diga-se de passagem), e Claudio, seu irmão mais novo que se tornaria imperador, um sujeito modesto, sem ambições, com problemas físicos e que se dedicava às letras, embora tivesse seus deslizes. E Nero, neto de Germânico por sua filha Agripina, irmã de Calígula.

Nero herdou uma má reputação como imperador louco que faz sombra sobre a de Calígula. Porém, ao contrário deste, Nero soube tomar as rédeas do governo e usar o assassinato como recurso para a manutenção de sua posição - e não por mera extravagância como de seu tio. Sobretudo, entendia a necessidade de ser popular junto ao povo, para o qual implementou diversas obras de utilidade pública, como teatros, ginásios, banhos, templos, promovendo festivais e espetáculos para o povão. O próprio Nero participava de corridas, competições musicais e teatrais, para deleite do público. Em uma ocasião, quase morreu ao ser atirado de sua carruagem enquanto participava dos Jogos Olímpicos na Grécia. Por causa disso, a aristocracia romana, incluindo alguns cronistas da época, pintava o demônio em Nero, atribuindo a ele atos de loucura injustificada, como o incêndio em Roma, e o assassinato de sua segunda mulher enquanto estava grávida. Contudo, ele reinou por 14 anos, notavelmente mais do que políticos equilibrados apenas sobre a volúvel influência sobre o exército ou o senado (cujo poder foi lentamente minado ao longo do reinado de Nero).

Mas Nero tem no seu currículo atitudes suficientes para ter uma reputação controversa sem a necessidade de difamações. Várias fontes contemporâneas atestam que Nero teria sido responsável pelo assassinato de seu primo Britânico, filho de Claudio, nos primeiros meses de reinado. Sua mãe Agripina, então com grande influência em seu governo, escapou de um atentado em que seu navio teria afundado ou encalhado propositadamente, mas quando ela sobreviveu, Nero teria ordenado sua execução de maneira que parecesse suicídio. Sêneca, o poeta estoico que servia a Nero como conselheiro, e com quem ele passou, em determinado momento, a discordar sistematicamente, foi acusado de participar de uma conspiração para assassiná-lo e condenado ao suicídio, embora não haja evidência de que ele tenha tomado parte na conspiração.

Quanto a Claudia Octávia, seu casamento com Nero foi arranjado enquanto Claudio ainda era vivo, para consolidar a posição de Nero como herdeiro. Octávia, aparentemente, era da veia boa dos Claudianos: uma jovem dama, educada e "virtuosa". Nero a achava uma chata, a acusava de ser estéril, e a teria agredido várias vezes em público. Apesar de infeliz no casamento, ela era bastante popular entre os plebeus, provavelmente por incorporar essa "virtude" da mulher romana. Nero acabaria desistindo de levar uma vida com ela, e se interessou por Popeia Sabina, esposa do futuro imperador Oto. Por causa desse affair, e da gravidez de Popeia, Nero se divorciou de Octávia e a baniu para a ilha atualmente conhecida como Ventatene, uma ilha rochosa que servia de prisão para onde seus antecessores baniram suas parentes por comportamento impróprio (incluindo a mãe e a avó de Nero). Porém, ao saber disso, o povo foi às ruas com estátuas e mensagens de Octávia pedindo o seu retorno. Assustado, Nero concordou, apenas para ordenar o seu suicídio. A exemplo de Sêneca, Octávia abriu as veias dos braços e mergulhou numa banheira quente, como os romanos ritualmente faziam e consideravam a maneira digna de tirar a própria vida.

O destino de Popeia é incerto. Ela foi a esposa que Nero teria matado quando estava grávida, mas a tomar pelo desespero do imperador pela sua morte, o assassinato é pouco provável. O historiador Cassio Dio (um dos difamadores de Nero) supõe que ele possa ter se deitado sobre ela e causado o aborto que teria levado sua vida junto por acidente. A reação de Nero após sua morte foi exacerbada - Popeia foi embalsamada e depositada no Mausoléu de Augusto com honras divinas. Dois anos depois, Nero ordenou que um jovem liberto parecido com Popeia fosse castrado e se casasse com ele.

Em 68, Caio Vindex, governador da província da Galia Lugdunensis, apoiado por Sérvio Galba, governador da Espanha, se rebelou contra a política fiscal de Nero. Lúcio Vergínio, governador da Germania Superior, venceu Vindex, e suas tropas tentaram aclamá-lo imperador. Como Vergínio se recusava a atuar contra Nero, as tropas se voltaram a favor do rival Galba. O prefeito pretoriano abandonou Nero e jurou lealdade ao governador rebelde. Com a situação instável, Nero tentou fugir de Roma, mas seus oficiais se recusaram a ajudá-lo. O imperador ruminou sobre o que fazer, considerando pedir asilo ao império rival da Pártia, entregar-se a Galba, ou pedir perdão ao povo. Nero então foi dormir. Ele teria acordado no meio da noite e encontrado o palácio deserto. Nenhum amigo respondia aos seus chamados, nem sequer um gladiador que pudesse matá-lo. Um liberto chamado Phaon ofereceu sua vila para que Nero pudesse se esconder. Lá, ele ordenou que outros libertos lhe preparassem uma cova. Antes de anoitecer, um mensageiro chegou com a notícia de que o senado havia declarado Nero inimigo público e que era procurado (segundo Tácito, o senado, na verdade, esperava que com isso Nero se apresentasse, e juntos pudessem discutir uma solução, já que ele era o último imperador da sua dinastia, à qual quase todos os senadores haviam servido a vida inteira). Mas, desesperado, Nero então decidiu pelo suicídio. Primeiro pediu que um dos libertos se matasse na sua frente para lhe dar coragem. Conforme o som de cavalos se aproximasse, Nero, sem coragem ainda para tirar a própria vida, pediu a seu secretário que o preparasse abrindo suas veias.

No final, o senado, de fato, declarou Nero inimigo público. Galba foi prudentemente declarado imperador pelo senado, mas sua autoridade foi questionada em outras partes do império. Vitellius, governador da Germania Inferior foi aclamado pelas legiões estacionadas no rio Reno, e Oto, amigo de Nero a despeito do seu relacionamento com Popeia, tinha a Guarda Pretoriana ao seu lado. Os três se sucederam em menos de um ano, e a guerra civil só terminou quando o veterano general Vespasiano levou suas legiões do oriente a Roma e foi aclamado imperador no final do ano 69 (o Ano dos Quatro Imperadores), iniciando uma nova dinastia, a dinastia Flaviana.

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