terça-feira, 26 de maio de 2015

A Coroa de Ferro da Lombardia

No dia 26 de maio de 1805, Napoleão coroou a si mesmo rei da Itália em Milão, colocando sobre sua cabeça a Coroa de Ferro da Lombardia.

Essa coroa, hoje guardada e exibida na Catedral de Monza, é uma das relíquias cristãs mais antigas das quais se tem registro que sobreviveram até o nosso tempo. Trata-se de uma banda circular de ferro, sobre a qual foi montado um aro composto por seis folhas batidas de ouro adornadas com pedras preciosas. É uma coroa pequena demais para ser encaixada em uma cabeça como imaginamos ao pensar em uma coroa.

Ela é uma relíquia cristã valiosa não por causa do ouro ou da pedraria, mas por causa do seu "esqueleto" de ferro. As diferentes versões da lenda convergem para a mãe do imperador romano Constantino I, Helena. Ela teria trazido pessoalmente os remanescentes da cruz em que Jesus foi crucificado de uma viagem à Palestina entre os anos de 326 e 328. Ela era cristã, e teria fundado várias igrejas e obras de caridade na região, e nesses caminhos teria descoberto três cruzes, e uma visão a levou a identificar as três como aquelas erigidas no Gólgota naquele dia, e qual delas era a cruz de Jesus.

Desde antes, os relicários de Cristo e dos apóstolos que circulavam pela Europa e Oriente Próximo tinham a reputação de possuírem propriedades sobrenaturais. Helena então trouxe pedaços da cruz, e ofereceu os cravos a Constantino. Um dos cravos foi martelado na parte de dentro do seu elmo; outro usado para ferrar o seu cavalo; outros foram enviados como presentes a cristãos proeminentes dentro e fora do Império. Dessa forma, um desses cravos chegou a Monza, no século VII, sede do reino dos lombardos. A princesa Theodelinda, a quem se atribui a evangelização daquela tribo germânica, teria encomendado a coroa montada sobre o aro obtido do cravo batido. Outra tradição diz que, após a morte de Constantino, seu elmo teria ficado em Constantinopla. Quando o rei visigodo Teodorico invadiu a Itália, os bizantinos teriam removido o aro do interior do elmo e enviado ao mesmo, que o teria usado como coroa. Mais tarde, os visigodos o passariam ao lombardos quando estes conquistaram o nordeste da Itália. Uma terceira hipótese mais recente é de que a coroa de ferro, com esse significado, teria chegado à Itália através dos francos, pois um dos netos do rei Luis, o Piedoso, teria recebido a relíquia de sua mãe e doado à igreja de Monza, da qual era benfeitor.

De qualquer maneira, a Coroa de Ferro é registrada oficialmente pela primeira vez na coroação de Henrique VII como rei da Itália - futuramente, sacro imperador romano - em 1311, mas ela pode ter sido usada antes, a começar por Carlos Magno. A própria Igreja, apesar de considerar a coroa um tesouro, teve ao longo dos séculos atitudes diferentes em relação à sua venerabilidade, e à autenticidade da sua origem, de maneira que a coroa nem sempre foi usada para legitimar o poder de um soberano sobre a Itália. Investigações conduzidas pela Igreja concluíram que, embora seja possível que ela tenha sido um dia montada sobre uma banda de ferro (testes de radiocarbono sobre as placas de ouro apontam para em torno do século VI, época aproximada estimada pelas tradições para a chegada da coroa à Itália), a que está lá hoje é constituída por 99% de prata - é possível que ela tenha sido substituída durante uma restauração feita no século XVI.

Numa atitude calculada para cimentar seu poder após a conquista da Itália, Napoleão rumou para Milão para ser coroado rei daquele país. Numa cerimônia grandiosa, sentado sobre um trono magnífico, ele foi homenageado e a ele foram investidas as insígnias reais pelo cardeal arcebispo de Milão. Ele subiu ao altar, pegou a Coroa de Ferro e a colocou sobre a cabeça, declarando "Deus a tem me dado, cuidado a qualquer um que a tocar", um gesto parecido com o que teve na sua coroação como Imperador da França, quando tomou a coroa das mãos do próprio Papa e a enterrou na cabeça antes que o mesmo terminasse seu discurso cerimonial.

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